sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Bar Academia
Não era do tipo excepcional, lindo ou bem arrumado. Não era bem resolvido ou bem amado. Mentia seu nome, sua idade e suas preferências, embora todas elas sejam obvias para todo mundo. Este garoto já viveu mais do que seu corpo.
E enquanto as portas de couro vermelho abrem convidativas, segure na mão do demônio e beba o que temos de mais forte. A vida é muito curta para sermos precavidos. Beba do meu que bebo do seu. Beba de mim que bebo de você. E enquanto as luzes se agitavam e o som acelerava a noite que se apresenta. No canto direito temos o coração partido que chora sozinho suas obsessões mais escondidas, esperando ser notado. Mas ninguém vê o invisível aos olhos e todos querem ser descobertos por alguém.
No canto esquerdo o desejo quieto e histérico. A stripper que sobe a barra de ferro, o mascarado que derruba a vela pelo corpo. O amor vazio de vários braços que abraçam sem encostar. A luz vermelha sobre a pele branca da inocência que se desnuda e desfigura. Você não está mais sozinho esta noite, diz a fada azul.
Por um minuto se viu perdido ali. Por um minuto estava no meio da multidão que não sabia amar. Por um minuto estava entre os que só queriam passar pela noite. Por um minuto esqueceu quem era para poder voltar no segundo seguinte. Aquilo não deveria ser admirável ou chocante. Eram apenas humanos e nada o que humano deveria ser estranho.
Entrou pelo próximo corredor para notar uma parede inteira com páginas de revista. Modelos lindos, indefectíveis, todos sérios com seus rostos impassíveis encarando como se estivessem ao mesmo tempo dizendo que não devia estar prestando atenção na parede. Eles tinham razão. Entrou no primeiro quarto meio sem ar. O quarto tinha sua escuridão interrompida apenas por um pequeno feixe de luz filtrado pela persiana, fazendo meias sombras em um corpo deitado em um sofá. Sua nudez arfante não a primeira que vira mas definitivamente a primeira que podia tocar. Como somos egoístas ao sentirmos vergonha e curiosidade em um corpo nu. Apaixona-se ou se aterrorize, mas tire a roupa na frente do espelho.
De repente estava lá. Nas latas amassadas no chão, nos copos meio vazios, nas paredes que suavam, na camiseta vibrando ao som da musica, nos amores anônimos, nos corpos que dançavam até doer, e nos que caiam de tanto beber. O cenário se degradava durante a noite e para renascer pela manhã, e por algumas horas, algumas poucas horas, éramos um estranho tipo de família gritando a mesma musica, venerando os deuses do álcool e da liberdade, brindando a solidão com estranhos, amando, sorrindo, vivendo.
Apenas quando acendem as luzes e o sol ameaça a nascer, vemos que tudo se desfaz no ar. Tudo menos a ressaca do dia seguinte.
Estamos fadados a repetir sempre as mesmas histórias. Querem me convencer que dois estranhos podem se conhecer e ser perfeitos um ao outro pra sempre ou até que um morra. Mentira. Pois eu já fui Romeu, já fui Julieta, já fui padre, a freira e o veneno. Já encontrei o pra sempre que durou uma noite e vi o eterno terminar da noite para o dia. Isso ninguém conta. Essa verdade triste e solitária de todo amanhecer. Pois não estamos sozinhos nem tristes. Estamos vivos.
Para ouvir depois de ler: Grace Jones - Corporate Cannibal
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Sob efeito do verão
"Há qualquer coisa dentro de mim que me magoa."
Charles Bukowski
Todos queriam Marco. Não fazia nem duas semanas desde o fim do seu namoro e estava entediado com os caras que corriam atrás dele. Por mais que gostasse da atenção do amigo da academia, a simpatia daquele colega de trabalho, o ombro amigo do professor do cursinho e ate a pedreragem do cara da padaria que começou a chamá-lo de sonho, ainda tinha esperanças de voltar. De repente a cidade de Brasília pareceu ter ficado pequena depois de tudo que viveu com ele. Ainda bem que estava de férias e se era para voltar a ser solteiro tinha de fazê-lo em grande estilo. Afinal, quem não quer ser solteiro no Rio de Janeiro?
Ricardo é meu primo. E como todo advogado da cidade satélite, suas férias eram extremamente planejadas. O que não foi planejado foi terminar os dois anos de relacionamento com Marco duas semanas antes de entrarem no avião. Não houve motivo importante, fato irrefutável ou acontecimento bombástico. “Simplesmente aconteceu. Foi em comum acordo.”, alegou para mim na mesa de bar. Por mais sereno que pudesse estar ao me dizer isso, não consegui acreditar. Da ultima vez que o vi, Ricardo tinha um anel. Um anel, um sorriso e uma promessa, todos juntos no seu dedo anelar. ‘Esse pode ser o cara da minha vida’, ele disse na época. Quatro meses depois ele volta ao Rio sem aquele sorriso, aquela promessa e aquele anel. Algum dos três fora de verdade?
“Entendo que queira remediar as coisas, mas de um tempo para cá estávamos frios um com o outro, nos tratávamos mal e o sexo quando não era inexistente era muito ruim. Acredite, foi melhor terminar.”
É, eu não acreditava. Mas não cabia a mim acreditar ou não. A história não era minha. Apesar disso tinha de admirar a lógica para enumerar as razões para o fim. Ou ele era profundamente sincero ou queria profundamente se enganar.
Depois do chopp fomos ver o apartamento que tinham alugado para a temporada de férias. Alias juntos, pois era para ser uma nova lua de mel. Ao encontrar com Marco, o cara que podia ser o cara, não vi nos seus olhos a serenidade que Ricardo tinha. Aquele era o seu inferno particular.
Pedimos uma pizza e sentamos para conversamos amenidades. O que querem fazer por aqui? Já viram o Cristo Redentor? Vamos para a praia? É um modo de dissipar a tensão do ar. Contei que em uma entrevista que fui a trabalho, uma atriz paulista belamente instalada nas areias do Leblon justificou porque ela havia abandonado sua cidade natal dizendo “É difícil não ser feliz no Rio”. Do ponto de vista dela era difícil discordar. O verão carioca é sempre um acontecimento único, sejam das areias da praia ou do bar com os amigos.
“Mas isso é por que você ainda não foi visitar a gente em Brasilia, Thiago...” disseram ambos ao mesmo tempo. Eles se entreolham e começamos a rir idiotamente ate que instintivamente Marco passa o braço por baixo do de Ricardo procurando sua mão como sempre fazia e não encontrando nada. Certos atos reflexo vão ser difíceis de se perder.
“er... vocês chegaram faz tempo?”
“Desde quinta”, respondeu Marco, “Ontem fomos para uma festa e o Ricardo voltou para casa com um cara.”, disse com o ressentimento indisfarçado na voz. A campainha toca, avisando que a pizza chegou. Visivelmente puto, Ricardo diz que vai comprar algo para bebermos. Assim que a porta se fecha, jogo as cartas na mesa.
“Ok, me conta a sua versão.”
Ele não consegue. Como quem acha sua deixa ele desatina a contar episódios que terminam engasgados em um choro angustiado. Entre soluços diz que quem tinha que estar puto era ele, que tinha agüentado a indiferença, a frieza e a distancia com um sorriso...
“Mas o que foi a gota d’água? Houve traição? Houve discussão?”
“Não sei... Ele simplesmente acordou não me amando mais.”
Foi quando o abracei que entendi que às vezes a percepção de cada um sobre o que é o relacionamento é tão individual que conseguir se relacionar por si só já é um milagre. Aquele que estava abraçando podia ter sido eu há alguns meses. Os motivos racionais que fizeram meu primo terminar podem ter passado despercebidos diante da emotividade de Marco e vice versa. Ainda assim durou dois anos. Eles foram felizes. O que mais podiam querer quando já eram não são mais?
A noite chega e com ela toda a possibilidade que ela trás. Não demora muito e se juntam a nós Fabrício e Jacob, o primeiro o médico mais ruivo que já vi e o outro um israelense apaixonado pela beleza [dos homens] do Rio. Fazia tanto tempo que não saia para a noite que já nem lembrava como são divertidos os rituais da noite. Em uma casa cheia de caras com um banheiro não demorou muito para ter gente correndo de cueca, outro gritando pelo secador, o terceiro pedindo perfume emprestado enquanto outro dorme no sofá e a bebida rolando antes mesmo de pisar na rua. Antes da festa em si, vamos encontrar mais gente em um bar nas proximidades.
Entre aqueles que ficam chocados ao descobrir que o casal de Brasília não está mais junto e os que já sabiam e não se importavam, as mesas se dividem. De um lado do bar, Marco e o melhor da máfia gay body builder do Rio. Do outro, Ricardo e os bossa novas do chopp. Por mais que simpatize com Marco, não suportaria ficar numa mesa em que supino é uma palavra constante.
Nos primeiros chopps temos conversas amenas, sobre família, internet e musica. Nessa hora Ricardo me conta que como era para ser uma lua de mel, a viagem deles depois do Rio incluía um cruzeiro para o Caribe. Mas não conseguiria ir. Já estava sendo difícil demais conviver com o ex no mesmo apartamento. Via ele indo a praia com outros caras que sabia que ele estava saindo. Inclusive apontou um que estava na outra mesa, “louro, alto e com voz de Barbie”. Coração e cérebro realmente não estão desconectados. Por mais que sua decisão fosse invariável, Ricardo tinha ciúmes. Prova de que mesmo os mais racionais podem sentir dores de amor. Nesta hora, o ultimo que faltava para irmos para a festa chega.
De longe já vejo que ele não é da cidade. Ele cruza o bar e para atrás de Ricardo, colocando a mão em seu ombro e o beijando no rosto, estrategicamente perto da boca. “Oi, meu bem...”
Jonas era um jornalista paulistano. Já o conhecíamos das ultimas férias, mas naquela epoca ele era coadjuvante. Hoje ele era pivô. Acho que já sei porque Marcos ficou com ciúmes também. A situação toda era escrotamente constrangedora. Era o começo da festa e o fim da viagem.
Então Ricardo pegou seu avião prometendo voltar para terra e Marcos seu navio prometendo esquecer o que estava nela.
Um clique. Uma Foto. Na parte de trás assinado em letra de máquina a epigrafe
“Eternamente interminados... ainda vão nos ceder esse titulo”
Para ouvir depois de ler: Sia - Oh Father (Madonna cover)
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