domingo, 20 de março de 2011

Fim de ato





'I believe that life is a prize,
but to live doesn't mean your alive.'
Nicki Minaj

Não sei se já teve oportunidade de entrar em um teatro vazio. Tem algo de expectativa, de acontecimento. Como se qualquer momento um holofote fosse acender ou uma trilha começasse a tocar e a ação começar. É como esperar a vida começar. A expectativa disso é quase mágica.
Miguel era bailarino e toda vez que pisava em um palco, grande ou pequeno, ficava encantado. Sentimento que só era superado pelo dia da apresentação, com publico e aplausos. Mas era diferente por ser a entrega do seu trabalho. Sempre achou os ensaios mais puros. Quando dançava, arriscava. Quando dançava, se superava. Quando dançava, descobria que podia mais do que achava. E por muito tempo acreditou que este sentimento fosse universal a todos. O que se provou errado quando decidiu seguir a carreira e contou para a família. Ser o ‘homem que dança’ nunca foi bem visto. Primeiro era estranho, passou a ser excêntrico e terminou como um capricho. Não tem futuro, não tem estabilidade, porque vai fazer isso?

‘Luis, nunca foi fácil. Sempre tem picuinhas e problemas, mas... tenho amor pelo que faço. Não seria feliz em nenhum outro lugar, por mais que ganhasse mais dinheiro.’

As questões em volta de paixões sempre ficaram na minha cabeça. Mais de uma vez tive a honra de conhecer pessoas apaixonadas e observar como reagem ao falar do objeto de sua adoração. Então podia ratificar, Miguel era apaixonado. Um tipo raro considerando que muita coisa hoje em dia parece amor, se sente como amor, mas não o é. Não digo só carreiras e pessoas, mas as pequenas coisas que fazem parte da vida. Muitos não lembram que para se apaixonar por qualquer coisa precisa-se antes se apaixonar pelo que é. O primeiro passo que muitos tropeçam por ser muito fácil ser mesquinho. Não querem ouvir antes de falar e não falam o que tem de falar. Por medo de se machucar, para machucar os outros. E os problemas se multiplicam. Algumas pessoas os criam porque precisam do holofote para se sentir amadas, outras porque acreditam que só serão melhores quando alguém guiá-los para serem melhores. Mas poucas e raras conseguem crescer e encontrar felicidade e paixão em um local vazio. Miguel conhecia no teatro. Eu, no meu estúdio. Tenho meus planos e mais uma vez ouço os ventos da mudança me chamando. Admito que já não escrevo do mesmo jeito que antes e nem os mesmos assuntos. Alguns personagens tive de matar, alguns vão viver para sempre e assim vai ser na minha vida. Isto foi uma das coisas que Miguel me disse. Só foi possível viver a sua paixão pela dança quando dançava pelos motivos certos com aqueles que o queriam bem. E é isso que vou fazer. E a expectativa do que está por vir é tão mágica quando o teatro vazio de Miguel.

E para terminar eu pergunto a você, que me lê e me conhece. Está vivendo a vida com os motivos certos pra você ou acumulando problemas sem pensar nas soluções?

[Fim de temporada]

sábado, 12 de março de 2011

Not yours




“What is simple in the moonlight,
by the morning never is.”



Tudo começa com carnaval. Não era o feriado favorito de Matheus, mas a possibilidade de andar pela rua virando uma garrafa de vodka ser algo de bom tom era definitivamente um atrativo. E enquanto escolhia no supermercado qual dos sabores etílicos ia fazer sua noite, ligava para mim. Afinal ele não ia pagar nem consumir sozinho, embora pudesse. Dois anos de carnavais solitários com estranhos e ele decidiu que este ano seria diferente. Consumiria apenas líquidos, preferencialmente os entorpecentes, e nada de pessoas que iria esquecer depois. Tinhamos isso em comum. Parou na fila atrás de um cara vestido de Barney e achou a coisa mais normal do mundo apenas porque o conteúdo que ele pagava era semelhante ao seu. Álcool e noite era tudo que precisava. Encontro ele no metro e lá começamos o nosso carnaval. Entre os que iam conosco e os que voltavam para casa invariavelmente tinha um bêbado cantando. Sobriedade assim como o silêncio era o luxo dispensável da noite. Matheus virou o primeiro gole e no fim da viagem a garrafa estava na metade. Destino General Osório, a estação de Ipanema. Cuidado com o espaço entre o vão e a plataforma.

Éramos esperados na Farme de Amoedo, a rua fervida que queríamos evitar. Matheus encontrou seus amigos e eu os meus. Juntamos os grupos já previamente embriagados, como nós, sabendo que alguém ia se pegar ali. Henrique, que não devia beber mas não resistia a qualquer coisa doce com álcool, beijou dois ao mesmo tempo. Rafael, amigo e vizinho de Henrique, já trazia um casal a tira colo e olhava para um amigo de óculos de Matheus como quem diz com o olhar que ate o final da noite terminariam juntos. E ainda tinha um casal. Diego veio para mostrar sua fantasia, inidentificável, e Pedro só para acompanhar o namorado. Eles estavam a cinco meses juntos e estavam bem. Tinham mais duas ou três pessoas que sinceramente não vou lembrar o nome, mas elas não eram importantes mesmo.

Então, no meio da rua às 2 da manhã, com todos bebendo e rindo de idiotices, conversas moles de amantes e ciúmes de maridos, luzes de lojas e fantasias estranhas que algo começou. Matheus fingiu não ver, mas Pedro definitivamente o observava. Ele está bêbado já. Aliás, eu também, pensou. Mais uma rodada. Diego puxa conversa. Todos se divertem. E a noite passa.
Pedro mora em Copacabana e leva todos para sua casa. Quase todos. Rafael resolve ficar mais um pouco com o amigo de óculos e Henrique já dormia encostado em mim. Deste ponto em diante, dormir também é apenas o que quero fazer. No apartamento, colchões são espalhados e os ébrios se acomodam.

Sem sono, Matheus levanta e resolve fazer um chá. No escuro, com a folia ao fundo bem baixinha ele pára pra pensar na loucura que a rotina do carnaval é. Provável que nem fosse ver metade dos grandes amigos de bar que fez naquela noite. Tenta puxar da memória que frases eram tão hilárias nas conversas, mas não consegue. Lembra que deu um selinho em um cara muito bonito vestido de mulher, mas nem teve ganas de perguntar-lhe o nome. Lembrar dele no dia seguinte ia ser ruim. Viu no celular um lembrete escrito por uma mulher pedindo que 'me ligue no dia seguinte que eu te adorei', mas não fazia idéia de como aquilo foi parar ali, só sabia que não ia ligar. A chaleira começa a apitar e o fogo é desligado. A casa já esta em silêncio.

‘Não conseguiu dormir...’, diz Pedro aparecendo na porta usando nada além de uma samba-canção. Tinha a cara um pouco amassada pelo álcool ou por ter tentado dormir. Ainda assim, a visão fez Matheus segurar um pouco a respiração.

‘Vodka e energético sempre me ferra. Desculpa pelo barulho, precisava de um destes. Quer?’, perguntou para que não percebesse seus os olhos que acompanhavam cada movimento do pano da roupa de baixo. Em parte era o instinto involuntário, em parte era ver ate onde aquilo iria.

‘Não, eu... Minha falta de sono é insônia, não resolve com chá.’, Pedro puxa a cadeira e se senta ao seu lado. Por um minuto inteiro ficaram em silencio. Apenas olhares medindo as palavras. Devagar começam a conversar sobre o carnaval, sobre bebidas, sobre amores passados, sobre como conheceu o namorado, sobre se assumir, sobre novela, sobre medo. [...] Aos poucos, a conversa vai se tornando intimista, sem segundas intenções, sem perceberem.

‘Ok, e como foi a sua primeira vez?’

‘Era um primo. História típica, né? Ele estava hospedado na minha casa, no meu quarto. Então quando meus pais foram dormir rolou. E eu namorava uma menina naquela época, então quando isso rolou foi meio definitivo pra mim.’

‘Definiu o que?’

‘Que gostava de caras. [...] Sabe aquele lance que você olha pra pessoa e nem é preciso falar nada... O corpo fala... Foi assim.’

‘Entendo... Entendo bem... ’

‘Quase deixo ele falar de novo hoje. Com você.’

Matheus não sabia da onde tinha vindo aquilo. Sentiu o rosto queimar, ficando vermelho. Era muito para uma noite. E ele estava ali, a centímetros do seu rosto olhando fundo para seus olhos. Até ali eram apenas amigos trocando confidências. Mas quão amigo era de Diego, que dormia tranquilamente sem desconfiar? Quão irresistível era a tentação? Quanto Pedro podia ser o cara da vida dele? Valia a pena?

‘Pedro, você é um cara legal e tudo mais e por mais que ache esses jogos divertidos, tenho de dizer que não é muito legal isso. Pelo Diego e por você. Sério, ok?'

‘Sim... Tá certo. Sei lá nem to sabendo explicar... Desculpe.’

‘Ok... ta certo. Olha, não to querendo ser dramático nem nada, então relaxa. Somos amigos. Eu só me preocupo com vocês, acho que os dois fazem bem um ao outro. São um bonito casal.’

‘Entendi, Matheus.’ , disse abaixando a cabeça e balançando como se tivesse querendo tirar seu pensamento. ‘Quando me acertar te digo...’

‘Como assim, se acertar Pedro?’

‘Er... Botar as coisas em ordem na minha cabeça só isso. Fica tranqüilo.’

‘Mudemos de assunto, ok. Quando é o seu aniversario?’ e por mais que a conversa fosse para outro lado, a carta tinha sido colocada na mesa. O pensamento dava voltas e tudo que era dito agora parecia vir diferente. E não me entendam mal, mas quando Matheus me contou que não resistiu e se deixou levar pela conversa mesmo não deixando rolar nada eu tive de concordar. Ser objeto de desejo era excitante e sempre bom para o ego.

Ate o momento que Pedro pede para ir ao banheiro. Sozinho na cozinha com uma xícara vazia na mão pensou na dinâmica da loucura que a noite tinha sido. E em como poderia terminar. Então sem fazer barulho resolveu que tinha que aproveitar o momento. Abriu a porta e saiu, simplesmente.

Ao chegar em sua casa, o celular tocou.

‘Matheus, você desapareceu... e esqueceu sua mochila aqui em casa’, ouvir a ansiedade na voz de Pedro aquela hora da madrugada era estranho e ao mesmo tempo instigante.

‘Não, eu não fui de mochila. Era do Luis.’

‘Ah, ok. [...] Posso te fazer uma pergunta?’

‘Claro...’

‘É só que você não me falou onde mora...’

‘Porque quer saber? Vai me visitar por acaso?’

‘Eu posso?’

‘Não.’

‘Pow, então me dá... uma pista’

‘Eu sou vizinho do Luis, é tudo que precisa saber.’

‘Ele me disse que mora em Botafogo.’

‘Não é Botafogo. Ele tava bêbado quando falou isso, não é verdade.’

‘Bem, eu vou descobrir. Quando perceber, estou na sua porta... risos...brincadeira’

‘Essa eu duvido. Te dou seu presente de aniversario atrasado se achar.’

‘Olha que vou hein. Aí vai ter que dar’

‘Cuidado pra não superestimar o presente...’

‘Não vou. E se não ganhar o que espero dou o seu presente de aniversário adiantado, tá. Risos’

‘Ta valendo, então.’

‘tenho até junho para descobrir, né?’

‘Isso não parece justo, parece?’

‘Claro que sim! Muito justo...’

‘Boa noite, Pedro.’

‘Bom dia, beijos.’

E desligou com um sorriso bobo no rosto. Tomou seu banho e mesmo com isso tudo ficou a olhar a porta, esperando a campainha tocar. Pensou no quão romântico seria contar para seus filhos aquela história se ela terminasse com ele entrando e dizendo que o queria pra sempre. Mais isso foi apenas por alguns minutos. Depois se esqueceu e continuou sua vida. Aquele príncipe não era o seu.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ressacas ou Sete coisas impossíveis antes do café





Bom dia.

‘dia.

Por favor, pára de fazer barulho com esse isqueiro. Parou de fumar de novo?

...e de beber também. Não preciso de mais noites como a de ontem.

Bom pra você. Assim não fica dando em cima do namorado dos outros...

Não fode, Luis. Não quero brigar com você de novo.

...

Tem café?

Tem. [...] Porque acha que brigamos tanto?

Não sei, Marc... Porque gostamos de fazer as pazes?

Risos. Nunca sei quando está falando sério...

O que aconteceu ontem à noite? Odeio beber e não lembrar como cheguei nos lugares.

O de sempre. Ficamos na Farme bebendo ate de madrugada, você passou mal com vodka e energético, eu tava de saco cheio daquele grupo de venezuelanos dando em cima da gente, arrastei você ate aqui e você desabou no sofá.

E quando nesse meio tempo eu recebi vinte ligações e dois recados na secretária do celular? Putz, não quero nem ouvir... Morri pro mundo hoje.

Pois é cara, você e telefone ontem. Tava foda... Sua sorte é que seus ex já sabem que você bebe e liga pra eles então já desligam o celular.

...

Não fica assim, Lu.

Desculpa. Carnaval definitivamente já não é o que costumava ser.

A vida não é mais o que costumava ser pra nós.

Posso passar o dia aqui, Marc?

Claro que pode, Greta Garbo.