terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Season Finale: Cena do crime





I wish I could love you more. I should have loved you best.



Resoluções de fim ano e o que você tem? Existe o cara certo? Não, não existe. Existe o cara errado? Claro, mas quem se importa. Existe o final feliz? Cara, só termine o ano para que tudo possa começar novamente. Acho que não preciso mencionar 2011, ele já está bem claro. Não foi um ano ruim, não. Tiveram coisas boas. Coisas que não consigo lembrar mais tiveram.

Estou em uma editora nova, fotografando, quase me sentindo Peter Parker. A ultima pauta do ano era uma foto meio tapa buraco porque alguma global estava muito ocupada para ser entrevistada. Típico. Meu editor me liga esbaforido perguntando se sabia onde encontrar duas bandas novas para poder entrevistar. Uma abordagem musical, ele diz. Na hora me vem o estalo, Rodrigo. Ele era produtor de banda, deveria conhecer melhor a cena. Ele atende a ligação e concorda em me ajudar se me encontrasse na casa dele. Odeio quando profissional e pessoal se misturam, mas Papai Noel precisava daquela grana.

Só para que saiba, estou trabalhando em São Paulo agora. Então coloque junto nessa equação a vontade insana de terminar tudo e voltar para minha terra carioca. O apartamento dele era no centro da cidade,  lindo o lugar, mas não era da decoração que eu tinha receio. Era de entrar no turbilhão de lembranças que só acontece quando se volta ao local do crime. Tudo estava meio igual, mas ao mesmo tempo estava fora do lugar. Ele abriu a porta usando calça jeans e um cordão e bebendo um uísque. Praticamente um rockstar. Senta onde quiser, sobre o que quer conversar? Faz tempo que não nos falamos. Eu o analisava meticulosamente sem me preocupar com o que respondia. Esperava um bote ou alguma forma ilicita de pagamento pela informação.

“hey... Thiago.... E onde você está?”

"Estou aqui, por que ta me perguntando isso?”

“Faz anos que não nos falamos e nem nos encontramos e você está divagando na minha sala de estar. Não sei se tudo é uma surpresa ou se estou vendo tudo acontecendo de novo.” Devia saber que ter caso com gente de musica era problema. Especialmente quando se estava namorando outro cara. Agora tinha de agüentar isso. Ele se ri e pergunta se quero um drink. Antes que responda, tenho um Martini na minha mão.

“E como vai o doutorzinho?”

“Espero que realmente seja uma brincadeira essa sua pergunta.”

“Sim, eu vi que você e o Edu se seoparam. Não por minha causa, espero. Diga, ainda se falam?”

“Não, e se quer saber nem mencionamos o nome um do outro.”

“Que dureza. Mas se você voltou a falar comigo, porque não com ele?”

“Você quer a verdade?” Ele sorriu meio de deboche, assentindo. “ Já nem sei mais. Às vezes me esqueço que ele existiu, mas às vezes me bate uma besteira. Mais quando tudo está na merda. Como se ainda lembrasse da voz dele me acalmando. Ele me trazia paz. Agora é só lembrar dele que percebo que aquele estudante de medicina que ia me visitar entre as aulas não existe mais. Aquele cara não existe mais. Hoje ele é um feliz doutor, com seu marido novo e seus amigos novos. E eu... Vou me achando. Sou um outro homem também. Mas é assustador de pensar o quanto já estamos distantes. Somos praticamente estranhos.”

“Que bonito, você ainda o ama”, disse sem perder o tom do outro lado da sala.

“Não, não amo. Mas amei. E como todas as coisas do passado, fica aquele medo de que nunca mais volte a amar.”

Silencio.

Já esqueci para que vim aqui. Pego minhas coisas e me preparo para sair.

“Eu podia ter te amado”, ele quebra a pausa com essa. Por mais sincero que fosse não sabia o que ele esperava que eu respondesse. E de repente não é mais preciso. Ele me puxa pelo cós da calça e me beija com a fúria de quem mata uma sede. Sede dele, sede minha. Engolimos o desejo um ao outro e paramos cansados sem nos distanciar. Ele puxa um papel de dentro de uma agenda e coloca no meu bolso.

“Vai...”

Eu devia ter ficado, mas não. Sai do prédio com a impressão de que o passado só serve para nos lembrar das coisas que deixamos para trás. Verdade ou não, Amor ou não, apenas uma coisa que em tudo isso era certa: não foi por falta de amor que as coisas ficaram do jeito que estão. Foi por não saber amar.


Ano de merda

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ele e o outro






Ele não tinha o que fazer então foi lavar louça. Era terapêutico. Seus pensamentos fluíam melhor com sabão. E precisavam fluir. Estava deprimido. O outro não ligava, parecia não se importar e ele estava se sentindo mais só do que nunca. Então lavava.

Toca o telefone da sala. É um trabalho no centro da cidade. Não queria sair, não queria ter coragem de sair, mas saiu. Trabalhos não costumam se oferecer tão facilmente. Para sua surpresa foi algo bom, animador. do tipo oportunidade unica. Animou-se tanto que queria ligar para o outro e contar como foi divertido e compensador[...], mas o outro não o atendia mais. Deprimiu novamente. Sentia falta da rotina dos dois, da vida a dois, de ser dois. Mas ele era um.

Ligou para seu primo que estava na cidade. Um jantar? Pode ser aqui perto? Ótimo. Não haviam muitos com quem conversar, mas pelo menos era uma companhia o fim da noite. Quisera quer as perguntas não fossem as de sempre. O trabalho? Vai indo. Os estudos? Já nem sei. Projetos novos? Deixa para o ano que vem. Namorados? Não quero nem saber. E o outro? O outro? Você não sabe do outro? Era o momento que ele esperava. Juntou os cacos de dor e depressão na melhor narração que pudesse contar. Contou aguras, neuras, loucuras. E se viu, ridículo, mostrando o pior de si. O outro foi traído. sem querer, sem maldade, mas traído. E ele o que sofrera? Algumas ligações não respondidas, algumas mensagens nunca lidas? Eu não responderia nem falaria de novo com ele. Mas você tentou reatar? - perguntou o primo.
Sim, disse ele negando tudo na sua mente.

Ele que foi o traidor, ele que foi o chato que liga. E traição merece perdão? Talvez, mas não tem como consertar. Não volta a ser do jeito que era. E o resto, a vida separa. Eles já não frequentavam os mesmos lugares, não gostavam das mesmas coisas e viviam momentos diferentes. E ele ainda estragou tudo. O outro que está certo em não escrever ou querer ouvir a sua voz. Está certo em conhecer novas pessoas e fazer novos amigos. Ele que não deveria estar aguardando uma revelação divina ou um ato de amor desesperado para que sua vida continue. Não. Deixe passar, cicatrizar.

E no fim da noite, quando o bar estava fechando a dama de dourado sentou-se ao seu lado e vendo o que via perguntou com um sussurro se estava ali por já ter amado. Acho que fui amado, mas já não sei se amei. Será que um dia saberei?


Para ouvir depois de ler: Nina Simone - Wild is the Wind

domingo, 13 de novembro de 2011

Someone like you




Você que está certo em não sentir falta de mim. Que idiota que eu sou, por pensar em você em cada noite chuvosa, cada vento frio que passa pela minha janela dizendo o seu nome. Desculpe-me por achar que podíamos ser mais do que fomos, de achar que fomos mais do que poderíamos ser e de ainda pensar que te ver provavelmente quebraria qualquer argumento lógico que te afastaria de mim, porque nada mais nos aproxima a não ser a loucura de querer ficar junto.
Sei que tem outro. Sei que pode estar feliz de novo. Mas também que eu não fui qualquer um, assim como pra mim você não o foi, e talvez um dia talvez por um momento você olhando para mim pudesse lembrar do tanto que nos amamos e quisesse tentar de novo. Não éramos o casal mais certo, mas não tinha nada de errado com a nossa felicidade.
Acho que o fim de ano só fez me ter saudade do nosso ultimo ano e do quanto queria ter isso de novo. Mas com a distancia que você põe entre nós acho que só vou ser feliz quando achar alguém para me fazer esquecer de você.

Para ouvir depois de ler: Katy Perry - The One That Got Away

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quebre a cara ou parta um coração



Gabriel sentado na ponta da cama, acende um cigarro e suspira. A fumaça invade o quarto assim como o sol pelas cortinas. Ele se inclina perto do meu ouvido e diz que não vai me deixar dormir. Quem disse que eu queria dormir?
Eram momentos como este que sentia falta. O sentimento atemporal de estar com alguém, vivendo de cerveja, suor e cigarros. Era como uma pequena revolução contra a cidade, uma rebeldia contra o mundo: ali éramos livres para sermos e fazermos o que quisermos.  O mundo lá fora é cruel demais, mas dentro daquelas quatro paredes o tempo era nosso.

“É a nossa terceira semana, sabia?”, disse Gabriel.

“E quem está contando?”, resmunguei.

“Eu estou. Alias, acho que já é hora de levantarmos.”

Pois é, nada dura para sempre. Tomamos banho e fomos arranjar algum lugar para tomar café. Gabriel era um cara interessante, mas a verdade era que ele era  uma válvula de escape de tudo. É horrivel usar uma pessoa para fugir dos seus problemas? Bem, para mim não era um problema ate porque ele me usava também. Mas meu coração estava ali. Nem minha cabeça. Estava a duas semanas sem trabalho e fugindo de ficar em casa. Pelo menos ali estava ilhado nas frivolidades de começo de relacionamento. Ate ele fazer a minha ficha cair.

 “...Alias, vamos jantar com a minha mãe mais tarde.”

“Acho que tem uma gimba de cigarro no meu ouvido. Achei que tivesse falado que ia conhecer a sua mãe hoje.”

“hahaha! Você é tão esquisito! É claro que nós vamos.”

“Você está louco. Não estamos nem namorando direito!”

“Ah, mas você já esta dormindo na minha casa, não acho nada demais... Vou pegar um café, quer?” e saiu sem ouvir a resposta. Em outros momentos eu piraria. Se fosse outra pessoa eu estaria louco. Mas estava absorvido demais nos meus próprios problemas para pensar nele. Ou na mãe dele. Saí sem comer, deixando um recado de que o encontraria mais tarde. Precisava andar. Andei quase que do Jardim Botânico a Copacabana para finalmente me jogar na areia. Estava perdido. Não fisicamente, mas precisava de um rumo na vida. Não via nenhuma possibilidade de futuro próximo, nem de como sairia da merda que estava. E tinha o Gabriel. Talvez por isso e pela insensibilidade dele para certos assuntos eu simplesmente não achava que ele era o cara. Não tinha futuro, mas eu estava vivendo. Uma merda de purgatório. Ligo para o Luis e descubro que ele não está muito longe. Acho engraçado isso. Hoje em dia alguns amigos ainda me ligam e aparecem de surpresa na minha casa, mas tenho a impressão que cada vez mais na vida real virtual que temos, as pessoas não fazem mais isso. Elas cutucam. Chamar atenção sem dizer nada é quase como gritar hoje em dia. Somos hiperbólicos em nossas reações, mas não sabemos descrever o que sentimos. Eu ainda tentava cultivar isso. Não só de falar, mas de ouvir e tentar entender os problemas dos meus amigos. Ninguém mais fala, só quando encontram alguém para ouvir. Ao mesmo tempo, ninguém quer ouvir só ter um monólogo.

Encontro Luis no bar e falamos sobre tudo. Tava mais triste pela falta de trabalho e de dinheiro que pelo cara que queria me mostrar para a mãe mas não fazia a minima do que rolava comigo.

 “Tem homens que servem para casar outros para cruzar. Ele é o segundo tipo, com certeza.”, disse o barman colocando toda sua convicção no copo. Era isso? Achar o cara para casar era como procurar um bilhete de loteria? Isso era idiota.

O barman era idiota.

Principalmente Gabriel era um idiota.


Ouça depois de ler*: Skunk Anansie - Secretly

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Cidade do Pecado



Era abrir os olhos e a noite girava no que restava da minha cabeça. A ressaca com o cheiro de cigarro trazia para o domingo um sentimento estranhamente familiar. Gabriel dormia do meu lado e ao que tudo indicava tinha ido para a casa dele. A primeira noite de volta na velha cidade e eu voltava para os meus velhos vícios. Pelo menos estávamos com a maioria de nossas roupas, o que indicava que estávamos muito bêbados para qualquer coisa.

Passo atrás de passo, tateio os corredores atrás de um banheiro. Não é preciso muito para achar a porta certa. O lugar é gigante. Acho que o meu quarto caberia aqui dentro. Me jogo na privada e acendo um cigarro que estava em cima da pia. Nunca realmente se pára de fumar, eu penso. A cada tragada tento reconstituir a noite anterior. Gabriel. Ele tinha namorado, mas topou sair comigo. Algo sobre ter gostado das minhas fotos. Cinema e bar, que deveriam terminar sociáveis terminaram em alguma festa de um amigo de um amigo e eu o pegando em algum corredor escuro.

Um banho frio, é isso que eu preciso para botar tudo de volta no lugar. A banheira estava cheia de sapatos então tinha que ser no chuveiro mesmo. Ainda bem, porque se deitasse na água provavelmente não voltaria. E enquanto escorriam minhas lembranças, eu organizava mentalmente minhas lembranças o que invariavelmente terminava comigo querendo sair correndo de onde estava. Mas neste caso eu estava em paz. Em paz, ate meu estomago dar sinais de estar vivo ou o meu fígado implorar por misericórdia, mas depois de um tempo se acalmou junto com a estranha consciência de que eu era apenas mais um menino perdido. Perdido e molhado.

Parei um minuto enquanto me secava para ouvir a casa. Nem um som. Não tinha idéia se era muito cedo ou muito tarde, mas definitivamente não estava fazendo cerimônias. Foi quando um pensamento me cruzou. Porque estava ali? Se fosse alguns anos atrás acharia um escândalo, até vergonhoso acordar na mesma cama que alguém que conheci há poucos dias ainda mais sendo ele comprometido, mas não sentia nada. Isso, de certa forma, me chocava, pois deveria sentir algo. Mas estava cansado de tudo. Ele foi simpático comigo, isso bastou.

Quando abriu seus grandes olhos azuis, eu estava na porta olhando ele na cama. Ele levou alguns minutos percebendo o que aconteceu ate que eu dissesse:

“Bom dia, estranho.”

Não custa nada tentar recomeçar.


[...] Obrigado a todos que enviaram seu amor, mas estamos de volta ao Rio. 


Ouça depois de ler*: Lana Del Rey – Blue Jeans

[ * Obrigado pelo comentário, André ]

domingo, 4 de setembro de 2011

Como esquecer seu EX




É nesse clima de sorvete na frente da TV, lagrimas e óculos escuros que eu, Luis, e Marc resolvemos interferir pela primeira vez no Crônicas e não escrever uma crônica e sim um serviço de utilidade pública inspirados no texto do Thiago. Depois de uma longa pesquisa por bares e noitadas, aqui estão em 6 passos como esquecer o seu ex:


1º passo
 Puxe o fio

O relacionamento morreu, mas você ainda ta ligado. O primeiro passo é preventivo: corte a comunicação com ele. Que pode variar desde apagar o telefone dele da agenda para não ligar quando estiver bêbado (culpados) ate fazer uma fogueira com as fotos e um boneco de vodu dele. A idéia é a mesma de todo o vicio: admita que ele não esteja afim de você e tire ele da sua vida. Quem vai estar perdendo é ele e você tem de seguir em frente. Um erro comum é achar que podem voltar como amigos, o que pode acontecer em um futuro distante quando ele for casado, careca e/ou com 20 filhos, mas se você ainda tem sentimentos por ele nem tenta. As mídias sociais são outra armadilha. É praticamente impossível resistir a espiadinha quase masoquista de ver como ele está, mas se esta querendo esquecê-lo exclua e bloqueie sem dó. Quando terminar essa parte, pegue seu telefone, ligue para as amigue e passe para o próximo passo.


2º passo
A tríade da mudança

As comédias românticas americanas revolvem muito em cima desse milenar ritual. 8 entre 10 pessoas passam pela tríade da mudança como primeiro passo para esquecer alguém e os 2 que sobraram fazem pelo menos um deles sem perceber. Ela parte do principio que para mudar a vida é preciso querer mudar e nada melhor para dar o primeiro passo do que mudando você primeiro. Um corte de cabelo novo , uma roupa diferente e você é outra pessoa. Não tenha medo e faça ou use aquilo que nunca pensou que fosse usar. Depois saia com amigues e encha a cara em uma festa. Aproveite o som alto para gritar com seus fantasmas. Se a noite não te atrai a opção é a famosa cena de Bridget Jones em que com um pote de sorvete você canta/grita “All by myself” com seu pote de sorvete (Se ainda não viu este clássico, sente o naipe no video abaixo). Por ultimo, é a fase Greta Garbo em que decide ficar só. É o momento de ser realista e pensar o que ganhou, o que não deu certo e deixar o relacionamento onde ele deve ficar: no passado.



3º passo
Transforme raiva em combustível

Um dos efeitos colaterais dos dois primeiros passos é inevitavelmente lembrar do maldito com o atual ou do traíra te traindo ou simplesmente pensar no calhorda. Lembranças voltam como refluxo e você vai se ver roxo de raiva. Este é o momento perfeito para descontar tudo na pilha de trabalho atrasado. Seu chefe vai adorar sua eficiência e pode te dar um aumento. Fique rico com a raiva dele. Se não for trabalhada, a raiva vira ciúme, e ciume por algo que não é mais seu é cavar o seu próprio buraco no ciclo vicioso. Outra válvula de escape ótima são exercícios físicos. Pedale como se não houvesse amanha e começará o verão bem. Assim poderá colocar em pratica a próxima etapa.


4º passo
Matemática emocional: Três caras bons são igual a menos um ruim.

 Esta é uma dica meio delicada porque é muito fácil ir para uma festa executá-la de modo errado e voltar para a estaca um. Mas partindo do principio que encontre três caras interessantes, não ao mesmo tempo e não necessariamente em uma festa, você vai esquecer o falecido rapidamente. A idéia aqui é a substituição de lembranças junto com a diminuição de eventuais carências que a separação traz. O funcionamento é simples e de modo progressivo: por exemplo, você acabou de passar da fase de raiva e da fase de não querer ver nenhum homem pintado na sua frente, então começa a sair com o carinha da sua faculdade, que é uma graça mesmo sendo um pouco mais novo que você. No começo é normal as lembranças do dito-cujo voltarem porque o defunto ainda não esfriou. Mas conforme passa do solteiro numero 1 para o solteiro numero 2 elas começam a ficar vagas e no terceiro definitivamente elas já serão historia.


5º passo
Escreva mas não envie 

Esta deveria ser a primeira das dicas mas esta aqui porque durante todo o processo deve ser feita. Cada pessoa se expressa de um jeito – escrevendo, ilustrando, dançando,... – então durante cada etapa no processo de esquecer alguém você tem de jogar fora toda a angustia, mágoa, medo e tudo o que queria ter dito. Se você trabalha com arte ou tem alguma delas como hobby este é o momento de catarse emocional a ser usado. O mais importante é: guarde para você. O desenho ficou bonito? Ele tem esse significado para você. O texto descreveu tudo o que sente? Ele tem esse significado para você. Se pretende mostrar para os outros, camufle as feridas, travista as verdades e deixe tudo com o ar de ficção realista. Se não o fizer, terá uma porta para criticas em lugares que não vai querer ser criticado.


6º passo
Ria de si mesmo, mas principalmente ria dele

Depois de cortar a comunicação, se recompor e se reinventar, ganhar uma compensação, um bofe e um hobby novo as coisas começam a ficar mais claras. É quase certo que no começo achasse que tinha perdido o cara da sua vida, mas quando olha direito vê que ele não gostava do que você ouvia, falava mal dos seus amigos, tinha hábitos estranhos, etc. O que queremos dizer é que de longe sempre vemos o príncipe no lugar do sapo, mas só quando quebramos o feitiço que nos envolvia é que podemos avaliar realmente por que não deu certo. O ponto alto do processo é a pergunta “o que eu estava pensando quando estava com ele?”. Lembre-se das coisas ruins que aconteciam, mas não deu atenção, dos incômodos e dos problemas que com certeza tinham. Vista o pretinho básico e enterre de vez esse defunto.


Agora, verdade seja dita. Nada é certo nessa vida, nem mesmo esses cinco passos. Existem defuntos que descansam eternamente em paz e aqueles que insistem em sair do tumulo. Não podemos garantir que vai esquecê-lo mesmo se fizer tudo direitinho. A única coisa que é garantida é que a vida continua e se você continuar junto com ela com certeza vai sobreviver a um coração partido.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Saida pelo portão 64

Esta é a continuação de "Certezas e Possibilidades"




“I know I've been a real bad girl (I'll try to change)
I didn't mean for you to get hurt
So ever, we can make it better
Tell me boy now wouldn't that be sweet?”
The Sweet Escape
Gwen Stefani



O sol invadia o quarto pela cortina da janela. Era um outro dia, uma outra cidade. No chão garrafas e roupas, na cama apenas lençóis. A claridade faz os olhos se abrirem para um quarto de hotel vazio. Entre o acordar e o entender o que tinha acontecido, me arrasto ao banheiro e lavo o rosto.

No espelho do banheiro estava escrito com creme de barbear
“tinha esquecido que você ronca, mas te amo mesmo assim. Sai para comprar comida, já volto. Beijos, Edu.”

E um post-it em baixo dizendo “Não sabe como é difícil escrever com creme de barbear...”

Só rindo. Entro no banho para ver se o resto do corpo acorda quando ouço a porta bater.
Eduardo coloca o rosto entre a porta e sorri, como criança.

“Não vai acreditar no mercado que tem aqui perto...” diz, mostrando as sacolas de compras.

“Se você contar eu acredito. To morrendo de fome...” respondo o beijando e procurando uma roupa.

Ele tira as compras e coloca em cima de uma mesa. O sorriso se apaga e ele sussura “Temos muito que conversar,Thi...”

“Temos, mas podemos fazer isso depois de comer, não?”

Ele ainda parece perturbado então o abraço por trás e digo que “Ainda não acredito que está aqui.”

“Nem eu. Só de pensar que matei o trabalho e o Junior e o que os meus amigos vão dizer e...”

“shii.... Por favor, não vamos fazer isso agora. Deixe os problemas do Rio para o Rio, hoje somos só nós...”

“Você está certo... que horas é a sua entrevista?”

“Depois do almoço, temos bastante tempo... Não sabe como senti falta dos seus braços...”

Eu o levava para a cama e entre os braços dele voltava a dormir, não me importando com o tempo lá fora ou o que o relógio dizia, pois tudo o que queria estava ali.

[...]

Eduardo não apareceu. Na verdade ele nem se importou em ligar ou qualquer coisa, simplesmente seguiu a vida dele. E eu as portas do portão 64 ia seguir a minha.

Eu tinha duas teorias sobre a sua não ida. Ou ele era incrivelmente sádico e quis me torturar por ter terminado com ele a primeira vez ou ele era incrivelmente tapado e não entendia o que estava fazendo comigo. Em ambos os casos, ele não era o tipo de cara que ia querer ao meu lado. E acho que significava que ele também não me queria.

Mesmo com a cena do que eu gostaria que tivesse acontecido rodando na minha mente, eu não me arrependi de nada. Em um mundo ideal o que desejamos acontece exatamente quando queremos e exatamente do jeito que imaginamos. Mas na vida real alguns desejos podem ate se realizar, mas eles nem sempre são do jeito que imaginamos. Eduardo não tinha nada em comum comigo e nos demos muito bem, melhor do que já estive com qualquer um. Mas hoje não mais. Acho que a moral desta historia é que é melhor amar e perder do que nunca ter amado ou qualquer outra merda do gênero.

Claro que dói. Mas ninguém precisa saber disso além de mim.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Certezas e Possibilidades




“All this time you was pretending,
So much for my happy ending”
Avril Lavigne’s Happy ending


Era apenas uma sala de espera. A contagem do relógio era acompanhada na televisão junto com a lista de embarques e desembarques. Com as passagens em uma mão e a mala fechada na outra, a minha atenção se dividia entre olhar o numero do meu vôo subir na lista e a ansiedade de que a qualquer momento alguém fosse entrar. Que ele fosse entrar. E enquanto a minha ansiedade com relação a tudo aumentava, só conseguia pensar que este era um daqueles momentos em que tudo podia acontecer, mas em geral nada acontecia.

Minha viagem era a trabalho. Tudo começou com um e-mail. Alguém viu uma foto que havia tirado em um evento e me chamava para cobrir outros em São Paulo. Hotel, transporte e alimentação alem do salário. Sou fotografo freelance, o que significa que entre um trabalho e outro é ou um marasmo ou correria para o próximo. Tinha um pouco de receio de São Paulo, a cidade que tudo acontece, mais pela certeza de que este trabalho podia se tornar um fixo e eu me mudar. No Rio tenho a faculdade, a família e os amigos. Lá teria de recomeçar tudo, não tem como não ter medo. O prazo para confirmar era ate segunda e estava na sexta.

O telefone toca e eu não acredito em quem é.

“Thi? É o Edu. Estou na faculdade e queria te ver. Você pode vir? To aqui em baixo já.”

“Eu ainda to em casa. Vou demorar um pouco, você me espera?”

“Claro”

Esperou 40 minutos. Ele não perguntou quanto ia demorar, apenas esperou. E esperou sorrindo. Sentamos no bar perto e conversamos sobre vida e projetos e contei para ele da viagem. Não sei definir a opinião dele quando perguntei o que achava, apenas achei ótimo estar ali de novo com ele fazendo planos. Ele pareceu bem curioso sobre como eu ia, os preços e tudo mais. Ficamos algumas horas conversando ate ele se despedir de mim para ir ao banco com um beijo. Na bochecha. Assim que ele subiu no ônibus, recebo uma mensagem dele dizendo que “queria ter ficado mais e ainda mexia com ele”. Nem consegui ir a aula.

Foram quatro meses juntos, dois separados trocando mensagens e a pouco mais de um mês ele estava com esse garoto novo. Não sei o que me levou a terminar e querer de volta. A única certeza que tinha era que com ele eu poderia construir uma vida. Costumávamos fazer exatamente o que fizemos naquela tarde, sentar e pensar no que faríamos e como faríamos. Agora pensando acho que é isso que sinto falta, o Edu companheiro.

A noite tinha uma festa de despedida de um amigo que ia fazer intercambio. Ele separou a casa e encheu a piscina de gelo e cerveja. Lá pelas tantas da madrugada, já devidamente alcoolizado resolvo brincar com o perigo. Sim, o famoso drink and dial. Liguei para o Edu, que estava em uma outra festa não muito longe dali. Rimos bêbados e provocamos um ao outro e ele terminou dizendo que iria fazer de tudo para ir para São Paulo comigo. Minha cabeça girou nessa hora e tudo que podia falar era que queria vê-lo no dia seguinte para combinarmos melhor. Fui dormir embriagado por uma vodka russa e pela possibilidade de terminar tudo bem. Com o cara e o emprego o que mais eu poderia querer?

No dia seguinte, ele sumiu. Não ligou nem atendeu o telefone. Tinha minha ressaca para curar e ele provavelmente a dele, mas nada era pior do que a impressão de que tudo aquilo ontem – a conversa na faculdade, o telefonema e a promessa – não significasse para ele metade do que significou pra mim. E na minha cabeça passou de tudo. Talvez poderia ter acontecido algo com ele que o impediu, talvez ele quisesse me torturar. Só sei que aquele dia passou da esperança a raiva em longas horas. Apenas no domingo consegui contato com ele, por MSN [que não uso mais, alias] e pude perguntar o que tinha acontecido. Nada, ele disse. E a sexta de madrugada também fora nada?

“Foi o álcool, ne.”

...

Já se sentiu estúpido, como se sua inteligência tivesse te pregado uma peça e em alguns segundos revisitasse as ultimas horas, dias e meses a procura do instante em que pressupôs o que te levou praquela armadilha? Foi o álcool que disse que me amava e que ia viajar comigo. E o pior é que o jogo todo estava virado para ele. Edu tinha namorado e um bom emprego e tudo o que eu tinha eram possibilidades e projeções. Nenhum fato nos unia e lentamente senti algo se quebrando. Era a projeção de nós dois, era o sentimento de nostalgia distorcida, era a confiança mutua, que seja. Apenas não queria estar mais ali. Finalmente fiz o que devia ter feito a muito tempo: me desliguei. Ao mesmo tempo que apagava suas fotos, perfis e contatos, confirmava que ia aceitar o trabalho em São Paulo e comprava as passagens. Fora com o velho e abria as novas possibilidades. Foi aí que entendi que o quanto o ato de escolher nos faz adulto. Temos a certeza que crescemos quando não deixamos outros escolherem por nós e principalmente por aceitar as conseqüências do que escolhemos. Talvez São Paulo não dê certo ou dê e eu nunca mais volte. Talvez Eduardo não estivesse feliz com o namorado e o emprego e quisesse voltar ou talvez isso nunca passou pela cabeça dele. Acho que simplesmente eu nunca fui o tipo de cara que espera por alguém ou que gosta de ficar em segundo lugar. Deveria tentar lutar por ele? Talvez, mas estava cansado demais para isso. Certeza mesmo era que o segundo sinal para o meu embarque me chama e agora não tem volta.


[continua]

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Onde liga?



“I just want to be young and silly”
Georgia "George" Lass, Dead like me.




Tudo começa em uma sexta-feira.
Não somos Katy Beth Terry, mas eu, Luis e Marc temos nosso próprio ritual de procurar um bar para desabafar, conversar ou simplesmente falar besteira. O bar que temos ido muito é o Sociedade Secreta na Rua Voluntários da Pátria, uma rua em Botafogo cheia de bares que enchem graças os clubes e a parte cultural que tem em volta.

Um bom happy hour sempre começa com uma polemica a ser discutida. Nem tão polemica, mas Luis contou que tinha terminado com um cineasta que vinha saído a dois meses. Alias, foi através dele que nos conhecemos. Eu trabalho com fotografia, Luis com design e Marc com jornalismo. Juntos alem da dominação global, planejamos editorias, zines, clipes, mas nada que saia muito do terceiro copo e quando eles me chamaram para escrever aqui, o “guilty pleasure” deles era mais para acabar com a discussão entre os dois. Marc chama o garçom pedindo mais uma cerveja para apaziguar os animos.

“A nossa sorte é que não engravidamos, porque o que escolhemos de homem ruim...

“Nós? Ta nos incluindo nisso, é?”, disse Luis enquanto servia.

“Ué, ate onde eu vi algum de nós não está solteiro? E eu pelo menos tenho o Andrezinho, e as senhoras que estão encalhadas?”

“Nem vem com essa, Marc. Sexo casual com um garotinho de 18 anos não é um relacionamento minimamente saudável.”

“Ainda bem, porque estes são os piores que existem.”

“Olha, não sou a favor do cafajestismo dele, mas tenho de concordar com o Marc. A safra de homens bons está ruim, meus caros. Ou saímos com os sapos ou ficamos a imaginar o príncipe sozinho em casa”, repliquei.

“Pois eu ainda acredito no amor, em encontrar alguém e ser feliz.”

“Porque terminou com o cineasta, então?”

A conversa continuou, mas a imagem dos dois opostos na mesa de bar e na vida amorosa ficou na minha cabeça.
Quanta gente interessante e solteira não está aí fora, a procura mesmo depois de decepção depois de decepção? Ao mesmo tempo quanta gente não está criando e destruindo expectativas próprias e dos outros em um eterno jogo de quebrar corações?
Afinal temos de admitir também que a flexibilidade de se ficar com alguém do mesmo sexo permite permutações que mais atrapalham do que ajudam, neste caso. O cineasta foi meu ex e eu já havia ficado com o Luis. Se fossemos heteros, esse tipo de situação nunca aconteceria porque no meio disso tudo ia ter de ter uma mulher no mínimo. Esse tipo de idéia me levou a minha teoria de que nós, gays, ficamos com o pior dos dois arquétipos sociais, pois ao mesmo tempo em que alguns ligam seu coração ao sonho de terem um relacionamento com o cara lindo e rico te levando pra Narnia e te fazendo feliz para sempre, como manda toda boa comédia romântica temos também aqueles que o coração é ligado diretamente ao pênis e que a performance sexual se torna vital, mesmo que ele não tenha vários parceiros. De qualquer forma, nem o que acredita em conto de fada, nem o que acredita na vida como um filme pornô é feliz. E todos contribuem para a roda de frustração e fantasia que terminam em mesas de bar.

“Ah é? Se eu sou o machismo pornográfico e o Lu é o romantismo feminino, você é o que, Thi?”, diz Marc em um meio tom de escárnio.

“Não é obvio? Ele é o que gosta de sofrer... Tem o coração ligado ao cérebro, um curto circuito ambulante. Já passou o que? Um ano, dois e você ainda está nessa do Eduardo?”

“Pois é, eu parei pra pensar nisso esses dias. Às vezes acho que não sinto nada. Às vezes dói um pouco, sabe. Não quero vê-lo, mas sinto sua falta. Talvez apenas tenha de reaprender a viver sem ele...”

“Assim como ele o está fazendo sem você”, disse Luis colocando a mão no meu ombro e levantando seu copo. “Para todos aqueles com coração partido, um brinde. A noite pertence a nós.”



E você? Aonde seu coração está ligado?

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Você ainda pensa em mim?






Peguei o telefone e disquei o numero dele. Ele não reconheceu minha voz. Faz mais de um ano que não nos falamos. Precisava te ver. Naquele bar perto da sua casa, que tal? Que horas? Claro.

Neste momento começa a chover. Mesmo assim, com o meu guarda-chuva saio na esperança de conseguir falar o que sentia para ele. Três palavras e um milhão de problemas.

Acho engraçado como uma idéia de final feliz consegue mudar tanto. Um dia cheguei a acreditar que isto era algo mágico que poucos achavam e que se devia procurar incessantemente, ate encontrar. Depois, achei que tinha a ver com a pessoa certa no momento certo e tudo estaria perfeito. Mas depois de quatro anos e quatro temporadas achando, perdendo, vendo ir e vir; começo a achar que Amor é a mais dispensável de todas as prioridades da vida. Não por ser ruim, mas porque ele nunca vem sozinho.

“Eu o adoro, sempre saímos e fazemos tudo juntos” — Marcos 25 anos, casado a 2 — “Mas ele tem uma mania de não ligar depois do trabalho... ele sabe que só consigo dormir com ele me ligando a noite!”

“Matheus tinha ciúme dos meus amigos. Das minhas amigas também. Alias, acho que uma vez ele brigou comigo porque eu estava brincando com um cachorro. Não sei, só sei que tinha de esconder o celular, colocar ele em destaque como meu ‘marido’ em todas as redes sociais e sempre sorrir quando a mãe dele fazia uma piada...” — João Carlos, recém separado de um namoro de quatro semanas, “odiava a mãe dele, acho que só agüentei esse tempo todo por causa do sexo.”

“Você acredita que no dia seguinte que saiu comigo, ele não só não me ligou como foi para uma festa? Ta tudo no twitter dele, aquele safado fdp” — André, sobre o cara da noite anterior que ele não lembrava o nome completo, mas tinha todos os contatos dele.

Devemos ser a geração mais burra que existe por complicar algo bem simples. Antigamente namoro era namoro, se acabasse acabou, se ficasse serio casava. Hoje se fica é para experimentar sem compromisso, se namora para tê-los e o casamento? É apenas para destruir um ao outro. Não se pode simplesmente viver com alguém - homem, mulher, cachorro, o que seja - sem exigir que lembre, que ouça, que fale, que não fale, que ligue, que esteja lá...? O que aconteceu com viver um dia de cada vez com quem se ama? Afinal, quem inventou estas regras para o amor?

Tenho 23 anos e estou solteiro. Já tive maridos, namorados e ficantes suficientes para estar vacinado contra todos eles e ainda assim não consegui o final feliz que todo mundo vende. O problema disso é a falta de paciências para aqueles rituais batidos de acasalamento que os gays se submetem: o encontro de boate, o papo na internet, o amigo de um amigo, o primo, o colega de trabalho, entre tantas outras historias que querem ser únicas mas começam do mesmo jeito, seguindo as mesmas regras.

Entretanto, naquele dia chuvoso, quando vi Eduardo na esquina me esperando com seus óculos molhados e chinelos do jeito que ele ficava em casa eu tive a certeza: se o amor existe, era ele. Como jogar fora o livro de regras quando se ainda quer jogar?

Sou Thiago, a terceira geração do Crônicas.
Posso estar certo ou errado, apenas acredito naquilo que vivi.

domingo, 20 de março de 2011

Fim de ato





'I believe that life is a prize,
but to live doesn't mean your alive.'
Nicki Minaj

Não sei se já teve oportunidade de entrar em um teatro vazio. Tem algo de expectativa, de acontecimento. Como se qualquer momento um holofote fosse acender ou uma trilha começasse a tocar e a ação começar. É como esperar a vida começar. A expectativa disso é quase mágica.
Miguel era bailarino e toda vez que pisava em um palco, grande ou pequeno, ficava encantado. Sentimento que só era superado pelo dia da apresentação, com publico e aplausos. Mas era diferente por ser a entrega do seu trabalho. Sempre achou os ensaios mais puros. Quando dançava, arriscava. Quando dançava, se superava. Quando dançava, descobria que podia mais do que achava. E por muito tempo acreditou que este sentimento fosse universal a todos. O que se provou errado quando decidiu seguir a carreira e contou para a família. Ser o ‘homem que dança’ nunca foi bem visto. Primeiro era estranho, passou a ser excêntrico e terminou como um capricho. Não tem futuro, não tem estabilidade, porque vai fazer isso?

‘Luis, nunca foi fácil. Sempre tem picuinhas e problemas, mas... tenho amor pelo que faço. Não seria feliz em nenhum outro lugar, por mais que ganhasse mais dinheiro.’

As questões em volta de paixões sempre ficaram na minha cabeça. Mais de uma vez tive a honra de conhecer pessoas apaixonadas e observar como reagem ao falar do objeto de sua adoração. Então podia ratificar, Miguel era apaixonado. Um tipo raro considerando que muita coisa hoje em dia parece amor, se sente como amor, mas não o é. Não digo só carreiras e pessoas, mas as pequenas coisas que fazem parte da vida. Muitos não lembram que para se apaixonar por qualquer coisa precisa-se antes se apaixonar pelo que é. O primeiro passo que muitos tropeçam por ser muito fácil ser mesquinho. Não querem ouvir antes de falar e não falam o que tem de falar. Por medo de se machucar, para machucar os outros. E os problemas se multiplicam. Algumas pessoas os criam porque precisam do holofote para se sentir amadas, outras porque acreditam que só serão melhores quando alguém guiá-los para serem melhores. Mas poucas e raras conseguem crescer e encontrar felicidade e paixão em um local vazio. Miguel conhecia no teatro. Eu, no meu estúdio. Tenho meus planos e mais uma vez ouço os ventos da mudança me chamando. Admito que já não escrevo do mesmo jeito que antes e nem os mesmos assuntos. Alguns personagens tive de matar, alguns vão viver para sempre e assim vai ser na minha vida. Isto foi uma das coisas que Miguel me disse. Só foi possível viver a sua paixão pela dança quando dançava pelos motivos certos com aqueles que o queriam bem. E é isso que vou fazer. E a expectativa do que está por vir é tão mágica quando o teatro vazio de Miguel.

E para terminar eu pergunto a você, que me lê e me conhece. Está vivendo a vida com os motivos certos pra você ou acumulando problemas sem pensar nas soluções?

[Fim de temporada]

sábado, 12 de março de 2011

Not yours




“What is simple in the moonlight,
by the morning never is.”



Tudo começa com carnaval. Não era o feriado favorito de Matheus, mas a possibilidade de andar pela rua virando uma garrafa de vodka ser algo de bom tom era definitivamente um atrativo. E enquanto escolhia no supermercado qual dos sabores etílicos ia fazer sua noite, ligava para mim. Afinal ele não ia pagar nem consumir sozinho, embora pudesse. Dois anos de carnavais solitários com estranhos e ele decidiu que este ano seria diferente. Consumiria apenas líquidos, preferencialmente os entorpecentes, e nada de pessoas que iria esquecer depois. Tinhamos isso em comum. Parou na fila atrás de um cara vestido de Barney e achou a coisa mais normal do mundo apenas porque o conteúdo que ele pagava era semelhante ao seu. Álcool e noite era tudo que precisava. Encontro ele no metro e lá começamos o nosso carnaval. Entre os que iam conosco e os que voltavam para casa invariavelmente tinha um bêbado cantando. Sobriedade assim como o silêncio era o luxo dispensável da noite. Matheus virou o primeiro gole e no fim da viagem a garrafa estava na metade. Destino General Osório, a estação de Ipanema. Cuidado com o espaço entre o vão e a plataforma.

Éramos esperados na Farme de Amoedo, a rua fervida que queríamos evitar. Matheus encontrou seus amigos e eu os meus. Juntamos os grupos já previamente embriagados, como nós, sabendo que alguém ia se pegar ali. Henrique, que não devia beber mas não resistia a qualquer coisa doce com álcool, beijou dois ao mesmo tempo. Rafael, amigo e vizinho de Henrique, já trazia um casal a tira colo e olhava para um amigo de óculos de Matheus como quem diz com o olhar que ate o final da noite terminariam juntos. E ainda tinha um casal. Diego veio para mostrar sua fantasia, inidentificável, e Pedro só para acompanhar o namorado. Eles estavam a cinco meses juntos e estavam bem. Tinham mais duas ou três pessoas que sinceramente não vou lembrar o nome, mas elas não eram importantes mesmo.

Então, no meio da rua às 2 da manhã, com todos bebendo e rindo de idiotices, conversas moles de amantes e ciúmes de maridos, luzes de lojas e fantasias estranhas que algo começou. Matheus fingiu não ver, mas Pedro definitivamente o observava. Ele está bêbado já. Aliás, eu também, pensou. Mais uma rodada. Diego puxa conversa. Todos se divertem. E a noite passa.
Pedro mora em Copacabana e leva todos para sua casa. Quase todos. Rafael resolve ficar mais um pouco com o amigo de óculos e Henrique já dormia encostado em mim. Deste ponto em diante, dormir também é apenas o que quero fazer. No apartamento, colchões são espalhados e os ébrios se acomodam.

Sem sono, Matheus levanta e resolve fazer um chá. No escuro, com a folia ao fundo bem baixinha ele pára pra pensar na loucura que a rotina do carnaval é. Provável que nem fosse ver metade dos grandes amigos de bar que fez naquela noite. Tenta puxar da memória que frases eram tão hilárias nas conversas, mas não consegue. Lembra que deu um selinho em um cara muito bonito vestido de mulher, mas nem teve ganas de perguntar-lhe o nome. Lembrar dele no dia seguinte ia ser ruim. Viu no celular um lembrete escrito por uma mulher pedindo que 'me ligue no dia seguinte que eu te adorei', mas não fazia idéia de como aquilo foi parar ali, só sabia que não ia ligar. A chaleira começa a apitar e o fogo é desligado. A casa já esta em silêncio.

‘Não conseguiu dormir...’, diz Pedro aparecendo na porta usando nada além de uma samba-canção. Tinha a cara um pouco amassada pelo álcool ou por ter tentado dormir. Ainda assim, a visão fez Matheus segurar um pouco a respiração.

‘Vodka e energético sempre me ferra. Desculpa pelo barulho, precisava de um destes. Quer?’, perguntou para que não percebesse seus os olhos que acompanhavam cada movimento do pano da roupa de baixo. Em parte era o instinto involuntário, em parte era ver ate onde aquilo iria.

‘Não, eu... Minha falta de sono é insônia, não resolve com chá.’, Pedro puxa a cadeira e se senta ao seu lado. Por um minuto inteiro ficaram em silencio. Apenas olhares medindo as palavras. Devagar começam a conversar sobre o carnaval, sobre bebidas, sobre amores passados, sobre como conheceu o namorado, sobre se assumir, sobre novela, sobre medo. [...] Aos poucos, a conversa vai se tornando intimista, sem segundas intenções, sem perceberem.

‘Ok, e como foi a sua primeira vez?’

‘Era um primo. História típica, né? Ele estava hospedado na minha casa, no meu quarto. Então quando meus pais foram dormir rolou. E eu namorava uma menina naquela época, então quando isso rolou foi meio definitivo pra mim.’

‘Definiu o que?’

‘Que gostava de caras. [...] Sabe aquele lance que você olha pra pessoa e nem é preciso falar nada... O corpo fala... Foi assim.’

‘Entendo... Entendo bem... ’

‘Quase deixo ele falar de novo hoje. Com você.’

Matheus não sabia da onde tinha vindo aquilo. Sentiu o rosto queimar, ficando vermelho. Era muito para uma noite. E ele estava ali, a centímetros do seu rosto olhando fundo para seus olhos. Até ali eram apenas amigos trocando confidências. Mas quão amigo era de Diego, que dormia tranquilamente sem desconfiar? Quão irresistível era a tentação? Quanto Pedro podia ser o cara da vida dele? Valia a pena?

‘Pedro, você é um cara legal e tudo mais e por mais que ache esses jogos divertidos, tenho de dizer que não é muito legal isso. Pelo Diego e por você. Sério, ok?'

‘Sim... Tá certo. Sei lá nem to sabendo explicar... Desculpe.’

‘Ok... ta certo. Olha, não to querendo ser dramático nem nada, então relaxa. Somos amigos. Eu só me preocupo com vocês, acho que os dois fazem bem um ao outro. São um bonito casal.’

‘Entendi, Matheus.’ , disse abaixando a cabeça e balançando como se tivesse querendo tirar seu pensamento. ‘Quando me acertar te digo...’

‘Como assim, se acertar Pedro?’

‘Er... Botar as coisas em ordem na minha cabeça só isso. Fica tranqüilo.’

‘Mudemos de assunto, ok. Quando é o seu aniversario?’ e por mais que a conversa fosse para outro lado, a carta tinha sido colocada na mesa. O pensamento dava voltas e tudo que era dito agora parecia vir diferente. E não me entendam mal, mas quando Matheus me contou que não resistiu e se deixou levar pela conversa mesmo não deixando rolar nada eu tive de concordar. Ser objeto de desejo era excitante e sempre bom para o ego.

Ate o momento que Pedro pede para ir ao banheiro. Sozinho na cozinha com uma xícara vazia na mão pensou na dinâmica da loucura que a noite tinha sido. E em como poderia terminar. Então sem fazer barulho resolveu que tinha que aproveitar o momento. Abriu a porta e saiu, simplesmente.

Ao chegar em sua casa, o celular tocou.

‘Matheus, você desapareceu... e esqueceu sua mochila aqui em casa’, ouvir a ansiedade na voz de Pedro aquela hora da madrugada era estranho e ao mesmo tempo instigante.

‘Não, eu não fui de mochila. Era do Luis.’

‘Ah, ok. [...] Posso te fazer uma pergunta?’

‘Claro...’

‘É só que você não me falou onde mora...’

‘Porque quer saber? Vai me visitar por acaso?’

‘Eu posso?’

‘Não.’

‘Pow, então me dá... uma pista’

‘Eu sou vizinho do Luis, é tudo que precisa saber.’

‘Ele me disse que mora em Botafogo.’

‘Não é Botafogo. Ele tava bêbado quando falou isso, não é verdade.’

‘Bem, eu vou descobrir. Quando perceber, estou na sua porta... risos...brincadeira’

‘Essa eu duvido. Te dou seu presente de aniversario atrasado se achar.’

‘Olha que vou hein. Aí vai ter que dar’

‘Cuidado pra não superestimar o presente...’

‘Não vou. E se não ganhar o que espero dou o seu presente de aniversário adiantado, tá. Risos’

‘Ta valendo, então.’

‘tenho até junho para descobrir, né?’

‘Isso não parece justo, parece?’

‘Claro que sim! Muito justo...’

‘Boa noite, Pedro.’

‘Bom dia, beijos.’

E desligou com um sorriso bobo no rosto. Tomou seu banho e mesmo com isso tudo ficou a olhar a porta, esperando a campainha tocar. Pensou no quão romântico seria contar para seus filhos aquela história se ela terminasse com ele entrando e dizendo que o queria pra sempre. Mais isso foi apenas por alguns minutos. Depois se esqueceu e continuou sua vida. Aquele príncipe não era o seu.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ressacas ou Sete coisas impossíveis antes do café





Bom dia.

‘dia.

Por favor, pára de fazer barulho com esse isqueiro. Parou de fumar de novo?

...e de beber também. Não preciso de mais noites como a de ontem.

Bom pra você. Assim não fica dando em cima do namorado dos outros...

Não fode, Luis. Não quero brigar com você de novo.

...

Tem café?

Tem. [...] Porque acha que brigamos tanto?

Não sei, Marc... Porque gostamos de fazer as pazes?

Risos. Nunca sei quando está falando sério...

O que aconteceu ontem à noite? Odeio beber e não lembrar como cheguei nos lugares.

O de sempre. Ficamos na Farme bebendo ate de madrugada, você passou mal com vodka e energético, eu tava de saco cheio daquele grupo de venezuelanos dando em cima da gente, arrastei você ate aqui e você desabou no sofá.

E quando nesse meio tempo eu recebi vinte ligações e dois recados na secretária do celular? Putz, não quero nem ouvir... Morri pro mundo hoje.

Pois é cara, você e telefone ontem. Tava foda... Sua sorte é que seus ex já sabem que você bebe e liga pra eles então já desligam o celular.

...

Não fica assim, Lu.

Desculpa. Carnaval definitivamente já não é o que costumava ser.

A vida não é mais o que costumava ser pra nós.

Posso passar o dia aqui, Marc?

Claro que pode, Greta Garbo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Rainy Mercedes





Chuvia a duas horas. Quase três. O barulho da janela era o único som dentro do quarto assim como os trovões eram a única luz. Sentada no chão ao pé da cama ela tira fotos da janela. Falta de eletricidade a entediava. A cada flash de fora, um flash lá dentro. Não sabia o que sua ação procurava, mas iluminar a escuridão do seu quarto por alguns segundos era parecia uma resposta a altura. A cada pressão do botão, uma nova imagem aparecia no vidro da janela. A cada vez que fazia força no dedo, mais força fazia para que saísse dela apenas a luz. Estava cansada de chover. Mas sempre que fotografava, lembrava. Eram pensamentos invasivos das coisas bonitas que ficaram. Das coisas idiotas que podia ter remendado. De saudades e carências que nem imaginava que teria. Quatro anos não se lavam depois de apenas uma noite de chuva. Começou a sentir a maquina pesar sem perceber. Começou a pensar nele sem perceber. Começou tudo de novo sem perceber.

Arrastou-se a cama e abraçou as pernas procurando calor. Fechou os olhos procurando silencio. Reviveu o ultimo dia procurando explicação. E na noite escura e úmida, desejou. Primeiro para si, depois em voz alta. E percebeu que palavras, estas malditas palavras, condensam uma vez ditas. E são levadas pelo vento não importava para onde desde que fosse pra fora de si. Então gritou suas histórias para cada gota que caia. Gritou todas em plenos pulmões. Todas que lembrava e as que não lembrava. Gritou seu amor, sua loucura, seu êxtase, seu remorso, sua vingança, sua solidão. Queimou fotos, arquivos, cartas, sorrisos, pingentes, tardes ensolaradas, mensagens no espelho, palavras falsas de amor eterno, noites de sexo confusos, os cheiro e gostos que nunca mais teria, o olhar que me deu quando disse adeus. Quebrou copos e estantes desejando que fosse a ele a cair e se espatifar. Amaldiçoou cada dia que esteve ao seu lado para logo após agradecer o tempo que teve para amá-lo. Dormiu cansada com raiva de si e a certeza de que não acordaria.

Mas acordou. Acordou com a luz do dia. Acordou e se pos de pé, quando achou que não poderia. E no meio dos pedaços de destroços dentro dela, ela acordou. E já não sabia mais porque sentia dor.


[ Desafio Literário. um escritor desafia outro a escrever uma visão sobre seu trabalho. Crônica Masculina desafia: Hey, Mercedes ]

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Retrato Falado



"Reality doesn't matter,
What matters is the illusion"
Whatever Happened to Dulce Veiga?
by Caio Fernando Abreu



Rubem era um artista da fome clássico. Daquele que não come pão pra comprar tinta. Seu trabalho era algo perto do medíocre, mas sua paixão era algo para se impressionar. Ele tentou me salvar. Ele viu meu trabalho de pintura numa modesta exibição que montei e ninguém soube da existência. Rubem achou que ali tinha alguma coisa, tinha potencial. Seus sentimentos eram nobres, mas só dei atenção ao que falava por sua bundinha, o que não era muito nobre da minha parte. Mas não passou de olhadas , já que ele era comprometido – o que não anulava sua beleza. Saímos da galeria para um café para conversarmos.

Rubem estava na segunda faculdade, fazia cursos extras através das bolsas que conseguia e a cada novo estudo se apaixonava por algo novo. Já havia tentado tinta óleo, aquarela, marcenaria, litografia, trigonometria, dança contemporânea e mais cinco ou seis coisas que misturavam tudo e não acabam em nada a não ser experimentalismo. Há pouco mais de três anos estava casado com um cara e morando junto com sua mãe, viúva. Ele era a razão de continuar tentando mais do que só pagar as contas do mês. Nessa hora, seus olhos brilhavam babacamente ao falar do marido, o que me deu uma certa inveja. Rubem fez questão de contar que quando o viu pela primeira vez o achou o homem mais lindo que já vira e, ao contrario do senso comum, decidiu que ele precisava saber disso. A teoria de Rubem era de que se xingamos um desconhecido na rua a plenos pulmões por pisar no nosso pé, deveríamos também ter coragem de dizer no mesmo tom que achamos bonito um estranho na rua. Algo como um equilíbrio cármico, espalhar o bem ou algo assim. Então ele andou ate a fila do pão, meio tímido, meio canalha, tocou o ombro do rapaz e disse ‘você é lindo’, assim a queima roupa. Um minuto de silêncio constrangedor e o cara achou que ele era maluco. Pagou sua conta, sorriu amarelo e saiu andando. Meses depois se esbarraram em uma festa de um conhecido em comum e riram sobre o episodio. A festa durou 6 horas, mas a conversa deles durou por três anos, disse fechando com mais um dos sorrisos babaco-apaixonados. A moral da história é que amor podia estar em qualquer lugar, até na fila de pão. Que seja, pensei. Pagamos a conta e trocamos contato para montar uma exposição conjunta.

Cinco meses depois Rubem e o rapaz se separaram. ‘Tinhamos interesses diferentes’, ele disse. Eu também não voltei a pintar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Apenas números

smoke
“There is a man playing a violin
And the strings are the nerves in his own arm”
— James O’Barr, The Crow






Já era mais do que noite. As ruas escuras e vazias se acendem com a iluminação das festas enquanto todos dormem. Duas e trinta e cinco. As cortinas da varanda se mexem lentamente atrás de mim enquanto termino o cigarro e a garrafa de gin. São tudo o que preciso para esquecer o quanto essa época de fim de ano me deprime. São esses momentos sozinhos comigo que consigo colocar em ordem o começo e o fim do que faço. E o que eu faço? O que eu quero fazer? Faz tempo em que não tenho certeza do que eu quero da vida. E sempre tem alguém que pergunta. Nessas horas me lembro do meu chefe, gordo na superioridade da sua cadeira reclinável achando que todas as minhas reações são passiveis de análise e explicação. Fico sempre esperando ele virar pra mim e dizer que estou demitido. Por uma vez apenas queria ter a coragem de responder pra ele e pra quem mais perguntasse que eu não sei o que eu quero da vida ou se eu quero pensar em algo alem do meu próximo copo que vai me fazer esquecer que tenho de escolher alguma coisa pra mim. O mais escroto disso tudo é saber que por mais que odeie como essa coisa de chefe-funcionário funciona com bajulações e falsas compensações, eu ainda quero fazer parte dela. Digo, ainda quero ter dinheiro pra não me preocupar em ter dinheiro. Não ficar em hotéis vagabundos como este seria um começo. Melhor, já que é pra almejar, eu queria fazer duas viagens inúteis ao ano para ter fotos pra esfregar na cara de gente que só se interessa pelo que acham que sabem de mim. Ou pra tirar onda de bacana e bancar algo incrivelmente estúpido só para aparecer em uma revista e me chamarem de visionário, como aqueles riquinhos metidos a artista. Coisa de gente branca, diria Sofia. Um carro quebra o silencio da madrugada coincidentemente na hora em que meu copo é só gelo com água. É um sinal, devia estar tentando dormir.

Um último cigarro sentado na cama. A luz da rua fazia sombras sobre os lençóis que se movimentavam com a respiração dele. Não sei por quanto tempo o fiquei olhando. Armando ou Antonio. Não tenho certeza do nome. O triste é que nem precisei de muito para que fosse ate ali comigo. Se despir hoje em dia é fácil. Ser interessante por mais de uma foda é que está difícil. Era o caso dele. Uma típica boa foda e péssima conversa. E aquele ritual já era conhecido. De manhã ele pediria meu telefone. Eu diria que não tinha, mas que ele me desse o dele. E pede que ligue para marcarmos mais um encontro como este e eu nunca ia ligar. Eu nunca ligo. A previsibilidade era a parte apática de tudo. Mais algumas horas e seria um novo ano. Um ano novo, uma chance de recomeçar como alguém diferente. Gostava de pensar q na segunda feira depois do porre do ano novo eliminaria meus vícios, seria presenteado pela sorte e a partir daí tudo estaria esquematizado na minha vida para dar certo. Só que eu tinha 25 e pro meu plano dar certo deveria ter começado aos 18. Foda-se. São apenas números.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Retroação




Cinco minutos para terminar. Cinco. O ponteiro parece perceber minha ansiedade e anda em câmera lenta em direção ascendente. Pés batendo. Caneta mordida. Me ponho em direção a saída apenas esperando o sinal de libertação, o fim da angústia do dia inteiro. Antes da quinta volta, ganho a rua como quem procura o ar que falta. Era o fim de mais um dia. Mais um fim para minha vida.

Então pego minha bicicleta e corro. Corro o mais rápido que minhas pernas permitem. Corro do fim. Corro da responsabilidade de acordar cedo. Corro do poder que minhas palavras tem sobre mim mesmo. Corro do que me arrependi e do que ainda nem fiz. Corro da chuva. Corro. Corro. Porque corro.

E depois de não sei quanto tempo me vejo parado na frente as sua casa. Um ato falho irônico. Mesmo assim, olho pela janela na esperança de que você visse mesmo que de relance todo o desespero que deixei no caminho para chegar aqui e me desse aquele abraço. Aquele que sempre me deu e que apaga todos os problemas de mim. E eu espero. Espero o tempo passar ou voltar. Espero. Espero os segundos se estenderem ao infinito. Espero e o movimento das coisas sutilmente pára e lentamente começa a retroagir. Um compasso invertido toma conta da cidade, do país e do mundo fazendo com que nada mais seja do jeito que já foi um dia. O planeta sai do eixo com a sua ausência. Tudo anda, mas nada mais será o mesmo.

Um ano para voltar. Um ano e tudo começará novamente.