sábado, 23 de maio de 2009

Ato II: Valores Pessoais


[ "O medo tem alguma utilidade,
mas a covardia não.
O medo é a maior das doenças,
porque paralisa o corpo e a mente.
Minha força está na solidão."

- Clarice Lispector ]







Há certas semanas que parecem anuncio do seu inferno astral. É o seu professor que passa um trabalho para o dia seguinte quando no mesmo dia você tem que chegar mais cedo e sair mais tarde do trabalho e não ganhar nada mais por isso. É ter de quebrar as expectativas dos amigos que chamam para sair a um mês e nem para um chopp você sai ou porque está muito cansado ou porque não tem dinheiro mesmo. Ou então é quando aquele cliente pede o absurdo, para um tempo impossível e quer pagar o inviável para a sobrevivência humana e acima de tudo quer que você o faça sorrindo. Não tem como não ficar no mínimo perdido entre as informações, lições de moral e picuinhas de menor importância que a todo o momento tiroteiam na cabeça. O que dói mais nisso tudo é a falta de reconhecimento alheio. É a vontade de gritar “Hey, tem sangue, suor e lagrimas saindo aqui! E a humanidade, onde fica?”. Mas aí que se pára e pensa: quando foi a ultima vez que demos valor as pessoas que te ajudaram. ... Então, pois é.

São tantos alvos. Tantos erros. Tantos acertos. Tanto que deveria ser dito e o que não devia se dizer. Tanto o fazer antes do sol se pôr ou depois que ele nascer. Tanto, tanto que a insegurança cria um mundo de pensamentos intrusivos que giram e giram e, pasme, em geral nasce de um ponto pequenininho que você achou que nem ia te fazer mal. E como havia dito no ultimo post, o meu era bem pequeno mesmo. Meio centímetro de diâmetro aproximadamente, acima do testículo esquerdo. E no meio daquele turbilhão escrito ali em cima tudo o que eu queria era jogar tudo para cima e ficar só. Muito Greta Garbo, mas sabe que sempre gostei de um drama.

Tinha ligado para o medico, mas ele só poderia me receber no final da semana seguinte o que me deixava com 9 dias inteirinhos para pensar nos mais variados diagnósticos para “isto” [foi como eu passei a chamá-lo]. A primeira coisa que se pensa é em DST. É inevitável. Será que foi naquela vez que não usei camisinha? Será que não sei me proteger? Será que passei para o meu namorado ou recebi dele? (...) Aí entram os pensamentos conseqüentes. Será que se contar para alguém ele vai pensar que sou um “gay promiscuo”? Porque essa é a imagem que as pessoas tem. Será que minha família pensaria isso? E minha mãe? E o meu namorado? (...) Então, recorre-se aos santos. O Dr. Drew naquele programa de sexo no Multishow, o Google, A Vida do Bebê do De Lamare, Discovery Channel, Health Channel, History Channel(...). E com as pesquisas eu me acalmo, pois não estava com nenhum sintoma a não ser “isto”. Havia certo desconforto, mas nada de pus, feridas, gânglios ou tosse [sempre que tem uma doença terminal nos filmes pode apostar que tem tosse]. Com isso, o fantasma da DST tinha ido, mas comecei a pensar no grande C. Tudo bem que o mais perto da medicina que cheguei era ver dr. 90210, E.R. e House, mas acho que eles me dão embasamento suficiente para suspeitar que era o Grande C. É sempre culpa dele. Comecei ate a tossir depois disso.



“E o Eduardo, como reagiu a isso?”, perguntou minha mãe depois que contei para ela, entre a vergonha e a repetição contínua que eu tinha me prevenido e não tinha chance de ser DST.
“Eu ainda não contei a ele.”
“Meu filho... Não precisa se preocupar, se você diz que se preveniu e que não tem nada demais então pode ser outra coisa, né...” Disse esticando o olho como quem diz ‘se é para contar algo então conta agora’ “Se acalme. Você já marcou o médico. Mas talvez seja bom comentar com ele, pois se ele pode ter a mesma coisa... fora que é um bom teste para vocês. Que “isto” seja uma besteira: será que o namoro de vocês resistiria a uma doença?”

Claro, como se eu não tivesse dores de cabeça suficiente. Para quem já estava com pulgas atrás da orelha, o que é mais uma, não é mesmo? Adoro quando minha mãe faz isso.

Então no dia seguinte marquei com ele na praia para conversarmos, onde definitivamente eu não iria entrar pois odeio areia, mas que gosto de me acalmar olhando o mar. Cheguei uma hora antes e fiquei a olhar o horizonte. A brisa marinha sempre me inspira. E começo a pensar em formas e maneiras de contar para ele com a clara idéia de que na hora h esses ensaios seriam inúteis e iria falar algo completamente diferente.

Ele chega ofegante pela calçada contando que conseguiu se perder no curto caminho entre General Osório e o posto 9. Estava com uma roupa meio de surfista e havaianas, completamente in no ambiente praiano e eu de camiseta e calça jeans visivelmente não pertencendo aquele lugar. Sentamos em um quiosque, pedimos algo e começamos a conversar. Ele ficou um tempo em silencio depois que contei. Bebeu um gole de água de coco, me olhou e disse “Ok, Luis. Eu tinha te notado um pouco distante, mas pensei que fosse por causa do seu trabalho. Pelo que esta falando, “isto” pode ser varias coisas, meu bem. Acho improvável que seja o... como foi que falou? O grande C? É isso... Dificilmente é câncer, mas também não deve ser DST. Sai lá, acho que você pode estar preocupado a toa. Já marcou o medico, não foi? Então relaxa e vamos curtir a praia.” A resposta carpe diem dele realmente me fez curtir mais o dia, mesmo que no dia seguinte ele tenha vindo com uma lista de possíveis diagnósticos que ele tirou dos seus livros de faculdade e da internet.

Nunca se sabe quando estamos entrando em uma prova ou quando estamos colocando os outros em teste. Achar o seu lugar de paz no meio de turbilhões e ver as coisas na perspectiva certa podem ser de grande valia quando se está sob provas, mas é preciso também muita paciência e maturidade para ver os resultados dos testes dos outros. Pode vir a resposta que não espera, a que não queria ou exatamente aquilo que faltava. A única coisa que é certa nessa vida é que nada se passa sem uma razão. Existe um mundo de possibilidades para se escolher, e nada nessa vida é irreversível. A morte, talvez, mas até ela pode ser amenizada. E apesar de não ter mais medo do que pudesse vir, sabia que se viesse o inesperado ou o que não queria eu teria alguém para segurar a minha mão. E acho que poder ter alguém assim, seja o namorado, a mãe ou a amiga e dizer para eles o quanto eles significam é dar valor à esse sentimento.



“E então, a gente vai entrar na água, né Lu?”
“Awn... não.”

“Ué, mas você me chamou para praia, disse que íamos caminhar na areia e tudo!”
“E estamos. Você ta vendo a areia do outro lado do calçadão? Então, estamos caminhando e aquela é a areia!”
¬¬



[continua]



Para ouvir depois de ler: Regina Spektor - Fidelity

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Ato I: Limites Derivados




[ Eu vim pra confundir, não pra explicar ]
Chacrinha







Previsibilidade nunca foi algo que gostasse. Sempre achei graça na diferença, no incerto, no errôneo. Fui contrário às convenções e clichês ou sempre os usei do lado avesso. Gosto de pensar que posso tocar o céu ou você, sem nunca saber o quão distante ambos realmente estão de mim. Mas a realidade, dura como pedra, é preciso enfrentar e para se alçar vôos mais altos submete-se a certas convenções. Como os famigerados ‘horários’, ‘prioridades’ ou ‘refrigerantes de baixa caloria’. Ok, não tem problema. Acorda-se cedo, toma café e entra na rotina do trabalho/curso/faculdade e a vida começa a girar na velha roda da fortuna.

Então contra as amarras da fortuna montamos os sonhos. O meu era mudar o mundo. Talvez não o mundo todo, mas pelo menos o mundo de alguém. Com uma palavra, um desenho, uma expressão que fizessem povos se enfrentar, que fizesse verdades caírem, que fizesse o silêncio mais barulhento registrado pela humanidade. Foi assim que escolhi a minha escola de vida. E me decepcionei nela. Não se estuda mais a essência das coisas, mas sim o que será pratico para ganhar dinheiro; não se fala mais de inspiração, apenas de ferramentas de trabalho; paixões passaram a ser cartazes de filmes e amores, produtos de beleza. E o horizonte vai ficando minguado, em tons de cinza mecânico. E em algum ponto as coisas se perdem. Perde a paixão, a inspiração, a beleza. Perde a vontade, o amanha e passa a ser prioridade conseguir mexer no programa de último tipo que vai salvar 10 horas de trabalho manual ou então a comprar um presente em uma data que você nem sabe qual é apenas porque as lojas têm promoções imperdíveis e você não pode perder. E são coisas miúdas, miúdinhas que acabam por fazer da vida algo mazomenos, que dá para levar. Pequenos estímulos e pequenas conquistas. Sem surpresas, porém estável e seguro. E previsível.

O cotidiano já dormia do meu lado quando tudo começou. E ao acordar tudo o que eu mais queria era ter tempo de dormir durante o banho. Saia de casa rezando para que ainda tivesse dinheiro para ir na faculdade assistir aquela aula chata-porém-importante e esperando o final de semana chegar para descansar mais, mesmo que nunca descanse realmente no final de semana. A faculdade, antes o lugar onde eu estava perto do sonho, hoje era um lugar de chateação, tédio e pessoas nocivas. E apesar de Sartre dizer que o inferno são os outros, era inegável como aquilo me afetava. Possessão talvez fosse demais, mas um Ebózinho pelo menos tinha de ter. Era como se qualquer centelha de emoção em se aprender se esvaísse no segundo em que pisava lá e tinha de encarar minha turma. E nesse caso o inferno se tornava eu.

Como a professora de Tipografia havia definido que éramos uma “turma estranha com gente esquisita”, aspas com dedos. Metade dela eram grafiteiros, com uma parte que já ganhava para comprar os mais caros livros de referência - e acreditem, livros de arte e design não são baratos - e a outra parte se contentava em rabiscar a parede e conseguir um baseado. Na outra metade da turma estavam as meninas cinéfilas, as pessoas alternativas e aqueles que dormiam no fundo da sala. E tinha eu. Pessoalmente eu prefiria as cores do art noveau, conheço pouco de filmes cult, odeio hipsters e, na medida do possível, tento assistir as aulas sem dormir. Logo, eu era o ser estranho de lá, mas quando eu não fui? E podem achar engraçado, mas quando tudo começou, éramos todos muito simpáticos uns com os outros. Simpáticos, até nos conhecermos.

Ver que pessoas que deveriam saber a diferença entre rótulos e bons conteúdos fazendo picuinhas por causa de estereótipos é a real decepção do lugar. Porque vocês sabem que o amigo é bom quando te traz algo, quando te indica. Me diga com quem andas que te direi se vais fazer sucesso. A união faz a força, mas se tiver problemas já sabemos os culpados. E uma serie de outras lições de hipocrisia moderna vistas no microverso de uma sala de aula onde o papel de gay assumido se torna extremamente difícil se não se quer cair nas graças de um personagem.

E aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo de cima do muro. Separado de sua turma, entediado com sua vida e com o caminho que ela estava levando. Mas tem coisas que estão além das nossas mãos. Porque mesmo aquele que se submete a rotina está passível de uma surpresa da vida, que pode ser uma festa de aniversario, um bilhete de loteria ou perceber um nódulo no testículo durante um banho antes de dormir.


Infelizmente eu não ganhei na loteria e meu aniversario ainda não passou, mas pode se dizer que já não sou mais aquele que estava em cima do muro...



[continua]




Para ouvir depois de ler: Rita Lee – Hino dos malucos

domingo, 10 de maio de 2009

Metalinguagem

[ Say good bye to the world you thought you lived in ]
Mika






O telefone toca.
“Você ainda se lembra de mim, Luis.”, disse Henrique forçando a voz e tentando não rir, “Ah, mande um beijo para Dona Claudia por mim, ok? Agora, você não sabe o que aconteceu ontem à noite...”

Monossilábico com as respostas, eu ouvia as últimas peripécias de uma noite em que eu mais uma vez estava ausente. Ausência. Ela tem sido algo constante para mim. Ausência com meus amigos, ausência com meus pais, ausência com meu namorado.

Ausente comigo mesmo.

Estive ausente aqui também. Meus últimos textos não fazem sentido nem para mim. Pelo menos não com o que esta acontecendo. Temo que esteja ficando reclamão e amargo demais com as coisas. Mas o ”Crônicas” não nasceu para ser um blog de desabafo do seu autor. Ele é brecha entre o autor e o personagem que quer mostrar que nem todo mundo está sozinho nesta terra...

Por isso, ao invés de simplesmente jogar tudo aqui e esperar que o retorno das pessoas dessem alguma luz para os acontecimentos, decidi contar como cheguei aqui da maneira certa, com o espaço para que pare e pense o quanto isto não está distante de você. Porque no final é por isso que esta pagina existe. Abrir um espaço entre a ficção real e a realidade ficcional que aparece todos os dias, sem linhas mensuradas, ponteadas e revisadas, mas com a simples idéia de passar uma idéia.

Este deveria ser o primeiro post do blog, mas como na vida acho que há sempre tempo para se reinventar.



[continua]




Para ouvir depois de ler: Midnight Radio – Hedwig and the angry inch

sábado, 2 de maio de 2009

Um salto de fé por cima da lua






[Don't speak. I know just what you're saying.]


O objetivo da viagem era eu não ter um ‘nervous breakdown’ e abstrair os pequenos problemas. A overdose de natureza e incenso fez o seu trabalho e voltei para a cidade grande. Não estava bem, mas parecia bem. Segunda cinza, terça vazia, quarta amarga, quinta ex-plo-são. Eram dias que eu passava dobrando minhas vontades, engolindo a verdade alheia e esquecendo do que realmente importava nessa historia: Eu. E se solta os cachorros na frente da família/amigos/patrões. E é uma briga daquelas. Meia noite com gritos de culpados e dedos apontados e ameaças que não seriam cumpridas. E choro, muito choro. O soluço que subia a garganta trazia consigo toda a renuncia, sapo ou mentira que estava dentro e que tinha de sair. Foi o que estava precisando quando eu estava precisando.


[Vá atrás da sua voz, menino.]

Abro os olhos, mais leve do que no dia anterior. E cedo, feriado e estou sozinho. Não. Não estou sozinho, tenho coisas a fazer logo cedo é uma questão relativa. Voltar para o trabalho, para minha arte, para minha pintura, minha fotografia, o texto e finalmente a mim. Eduardo, que andou ocupado com trabalhos passa em casa e me acha com duas latas de tintas, uma tela e metade do chão pintado de magenta e amarelo.

‘Achei artístico.’, ele comenta e saímos depois de eu tomar banho. Não sabia que programa íamos fazer ou o que estava acontecendo de bom na cena, mas sabia que ‘estar fora de casa’ e ‘Eduardo’ eram a base de uma boa sexta a noite.

‘Hoje tem Maratona no Odeon.’
‘Hoje tem festa do dj tal na Matriz.’
‘Hoje tem aniversario daquela amiga no Sindicato do Chopp.’


Podemos simplesmente seguir o vento?



Acabamos novamente no ‘Arco Íris’, com direito a Fabio e seu novo caso de três semanas conosco. Rimos, discutimos, brincamos como uma boa noite deve ser. RENT estava no mp4.

‘…To jump over the moon
Only thing to do is
Jump over the moon


A leap of faith.’



Pessoas passam na nossa vida todo dia. Mas nem toda historia que se cruza com a sua pode te trazer algo bom. Existem os que só querem te deixar para baixo porque tem vontade. Existem os amargurados, existem os egoístas e até os psicopatas. E por mais sincero/honesto/decidido que você for, esse tipo de gente vai deixar algo com você. Uma lição do que não fazer ou simplesmente te fodem. É a vida. E quando essas coisas pequenas e grandes ficam guardadas fazem volume, fazem mal. O negócio é jogar fora e não se esquecer que existem também aqueles que se importam, que ouvem, que olham no olho. Existe a possibilidade de ser feliz a apenas um salto de distância. Um salto. Um salto de fé por cima da lua.





Para ouvir depois de ler: Paolo Nutini – These streets