sábado, 12 de março de 2011

Not yours




“What is simple in the moonlight,
by the morning never is.”



Tudo começa com carnaval. Não era o feriado favorito de Matheus, mas a possibilidade de andar pela rua virando uma garrafa de vodka ser algo de bom tom era definitivamente um atrativo. E enquanto escolhia no supermercado qual dos sabores etílicos ia fazer sua noite, ligava para mim. Afinal ele não ia pagar nem consumir sozinho, embora pudesse. Dois anos de carnavais solitários com estranhos e ele decidiu que este ano seria diferente. Consumiria apenas líquidos, preferencialmente os entorpecentes, e nada de pessoas que iria esquecer depois. Tinhamos isso em comum. Parou na fila atrás de um cara vestido de Barney e achou a coisa mais normal do mundo apenas porque o conteúdo que ele pagava era semelhante ao seu. Álcool e noite era tudo que precisava. Encontro ele no metro e lá começamos o nosso carnaval. Entre os que iam conosco e os que voltavam para casa invariavelmente tinha um bêbado cantando. Sobriedade assim como o silêncio era o luxo dispensável da noite. Matheus virou o primeiro gole e no fim da viagem a garrafa estava na metade. Destino General Osório, a estação de Ipanema. Cuidado com o espaço entre o vão e a plataforma.

Éramos esperados na Farme de Amoedo, a rua fervida que queríamos evitar. Matheus encontrou seus amigos e eu os meus. Juntamos os grupos já previamente embriagados, como nós, sabendo que alguém ia se pegar ali. Henrique, que não devia beber mas não resistia a qualquer coisa doce com álcool, beijou dois ao mesmo tempo. Rafael, amigo e vizinho de Henrique, já trazia um casal a tira colo e olhava para um amigo de óculos de Matheus como quem diz com o olhar que ate o final da noite terminariam juntos. E ainda tinha um casal. Diego veio para mostrar sua fantasia, inidentificável, e Pedro só para acompanhar o namorado. Eles estavam a cinco meses juntos e estavam bem. Tinham mais duas ou três pessoas que sinceramente não vou lembrar o nome, mas elas não eram importantes mesmo.

Então, no meio da rua às 2 da manhã, com todos bebendo e rindo de idiotices, conversas moles de amantes e ciúmes de maridos, luzes de lojas e fantasias estranhas que algo começou. Matheus fingiu não ver, mas Pedro definitivamente o observava. Ele está bêbado já. Aliás, eu também, pensou. Mais uma rodada. Diego puxa conversa. Todos se divertem. E a noite passa.
Pedro mora em Copacabana e leva todos para sua casa. Quase todos. Rafael resolve ficar mais um pouco com o amigo de óculos e Henrique já dormia encostado em mim. Deste ponto em diante, dormir também é apenas o que quero fazer. No apartamento, colchões são espalhados e os ébrios se acomodam.

Sem sono, Matheus levanta e resolve fazer um chá. No escuro, com a folia ao fundo bem baixinha ele pára pra pensar na loucura que a rotina do carnaval é. Provável que nem fosse ver metade dos grandes amigos de bar que fez naquela noite. Tenta puxar da memória que frases eram tão hilárias nas conversas, mas não consegue. Lembra que deu um selinho em um cara muito bonito vestido de mulher, mas nem teve ganas de perguntar-lhe o nome. Lembrar dele no dia seguinte ia ser ruim. Viu no celular um lembrete escrito por uma mulher pedindo que 'me ligue no dia seguinte que eu te adorei', mas não fazia idéia de como aquilo foi parar ali, só sabia que não ia ligar. A chaleira começa a apitar e o fogo é desligado. A casa já esta em silêncio.

‘Não conseguiu dormir...’, diz Pedro aparecendo na porta usando nada além de uma samba-canção. Tinha a cara um pouco amassada pelo álcool ou por ter tentado dormir. Ainda assim, a visão fez Matheus segurar um pouco a respiração.

‘Vodka e energético sempre me ferra. Desculpa pelo barulho, precisava de um destes. Quer?’, perguntou para que não percebesse seus os olhos que acompanhavam cada movimento do pano da roupa de baixo. Em parte era o instinto involuntário, em parte era ver ate onde aquilo iria.

‘Não, eu... Minha falta de sono é insônia, não resolve com chá.’, Pedro puxa a cadeira e se senta ao seu lado. Por um minuto inteiro ficaram em silencio. Apenas olhares medindo as palavras. Devagar começam a conversar sobre o carnaval, sobre bebidas, sobre amores passados, sobre como conheceu o namorado, sobre se assumir, sobre novela, sobre medo. [...] Aos poucos, a conversa vai se tornando intimista, sem segundas intenções, sem perceberem.

‘Ok, e como foi a sua primeira vez?’

‘Era um primo. História típica, né? Ele estava hospedado na minha casa, no meu quarto. Então quando meus pais foram dormir rolou. E eu namorava uma menina naquela época, então quando isso rolou foi meio definitivo pra mim.’

‘Definiu o que?’

‘Que gostava de caras. [...] Sabe aquele lance que você olha pra pessoa e nem é preciso falar nada... O corpo fala... Foi assim.’

‘Entendo... Entendo bem... ’

‘Quase deixo ele falar de novo hoje. Com você.’

Matheus não sabia da onde tinha vindo aquilo. Sentiu o rosto queimar, ficando vermelho. Era muito para uma noite. E ele estava ali, a centímetros do seu rosto olhando fundo para seus olhos. Até ali eram apenas amigos trocando confidências. Mas quão amigo era de Diego, que dormia tranquilamente sem desconfiar? Quão irresistível era a tentação? Quanto Pedro podia ser o cara da vida dele? Valia a pena?

‘Pedro, você é um cara legal e tudo mais e por mais que ache esses jogos divertidos, tenho de dizer que não é muito legal isso. Pelo Diego e por você. Sério, ok?'

‘Sim... Tá certo. Sei lá nem to sabendo explicar... Desculpe.’

‘Ok... ta certo. Olha, não to querendo ser dramático nem nada, então relaxa. Somos amigos. Eu só me preocupo com vocês, acho que os dois fazem bem um ao outro. São um bonito casal.’

‘Entendi, Matheus.’ , disse abaixando a cabeça e balançando como se tivesse querendo tirar seu pensamento. ‘Quando me acertar te digo...’

‘Como assim, se acertar Pedro?’

‘Er... Botar as coisas em ordem na minha cabeça só isso. Fica tranqüilo.’

‘Mudemos de assunto, ok. Quando é o seu aniversario?’ e por mais que a conversa fosse para outro lado, a carta tinha sido colocada na mesa. O pensamento dava voltas e tudo que era dito agora parecia vir diferente. E não me entendam mal, mas quando Matheus me contou que não resistiu e se deixou levar pela conversa mesmo não deixando rolar nada eu tive de concordar. Ser objeto de desejo era excitante e sempre bom para o ego.

Ate o momento que Pedro pede para ir ao banheiro. Sozinho na cozinha com uma xícara vazia na mão pensou na dinâmica da loucura que a noite tinha sido. E em como poderia terminar. Então sem fazer barulho resolveu que tinha que aproveitar o momento. Abriu a porta e saiu, simplesmente.

Ao chegar em sua casa, o celular tocou.

‘Matheus, você desapareceu... e esqueceu sua mochila aqui em casa’, ouvir a ansiedade na voz de Pedro aquela hora da madrugada era estranho e ao mesmo tempo instigante.

‘Não, eu não fui de mochila. Era do Luis.’

‘Ah, ok. [...] Posso te fazer uma pergunta?’

‘Claro...’

‘É só que você não me falou onde mora...’

‘Porque quer saber? Vai me visitar por acaso?’

‘Eu posso?’

‘Não.’

‘Pow, então me dá... uma pista’

‘Eu sou vizinho do Luis, é tudo que precisa saber.’

‘Ele me disse que mora em Botafogo.’

‘Não é Botafogo. Ele tava bêbado quando falou isso, não é verdade.’

‘Bem, eu vou descobrir. Quando perceber, estou na sua porta... risos...brincadeira’

‘Essa eu duvido. Te dou seu presente de aniversario atrasado se achar.’

‘Olha que vou hein. Aí vai ter que dar’

‘Cuidado pra não superestimar o presente...’

‘Não vou. E se não ganhar o que espero dou o seu presente de aniversário adiantado, tá. Risos’

‘Ta valendo, então.’

‘tenho até junho para descobrir, né?’

‘Isso não parece justo, parece?’

‘Claro que sim! Muito justo...’

‘Boa noite, Pedro.’

‘Bom dia, beijos.’

E desligou com um sorriso bobo no rosto. Tomou seu banho e mesmo com isso tudo ficou a olhar a porta, esperando a campainha tocar. Pensou no quão romântico seria contar para seus filhos aquela história se ela terminasse com ele entrando e dizendo que o queria pra sempre. Mais isso foi apenas por alguns minutos. Depois se esqueceu e continuou sua vida. Aquele príncipe não era o seu.

5 comentários:

  1. Nao lembro de mais nd, apenas q no outro dia eu queria beber mais e mais...

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  2. Tantos 'principes' passam pela nossa vida que uma hora deixamos de procurar.

    Isso é tão...

    Tão cliché..

    P.S.: Adoro passar aqui...

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  3. Quando você nem procura mais pelo príncipe-gay-encantado ele aparece na sua porta, sempre assim, mas complicado mesmo não é ele já ter um 'dono', mas sim quando você já está tão cansado de clichês anteriores que nem consegue perceber quando o príncipe-gay-encantado é realmente pra você.

    p.s.: complicado manter-se atento e não esperando nada o tempo todo.

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  4. bela estória de carnaval... eu tb estava na farme, seria legal ter encontrado vc

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  5. Acho que Matheus deve esperar mais um pouco,afinal junho não está tão longe assim...rsrs .Quem sabe Pedro realmente seja seu príncipe.Parabéns pela ´´história``...

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