quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quebre a cara ou parta um coração



Gabriel sentado na ponta da cama, acende um cigarro e suspira. A fumaça invade o quarto assim como o sol pelas cortinas. Ele se inclina perto do meu ouvido e diz que não vai me deixar dormir. Quem disse que eu queria dormir?
Eram momentos como este que sentia falta. O sentimento atemporal de estar com alguém, vivendo de cerveja, suor e cigarros. Era como uma pequena revolução contra a cidade, uma rebeldia contra o mundo: ali éramos livres para sermos e fazermos o que quisermos.  O mundo lá fora é cruel demais, mas dentro daquelas quatro paredes o tempo era nosso.

“É a nossa terceira semana, sabia?”, disse Gabriel.

“E quem está contando?”, resmunguei.

“Eu estou. Alias, acho que já é hora de levantarmos.”

Pois é, nada dura para sempre. Tomamos banho e fomos arranjar algum lugar para tomar café. Gabriel era um cara interessante, mas a verdade era que ele era  uma válvula de escape de tudo. É horrivel usar uma pessoa para fugir dos seus problemas? Bem, para mim não era um problema ate porque ele me usava também. Mas meu coração estava ali. Nem minha cabeça. Estava a duas semanas sem trabalho e fugindo de ficar em casa. Pelo menos ali estava ilhado nas frivolidades de começo de relacionamento. Ate ele fazer a minha ficha cair.

 “...Alias, vamos jantar com a minha mãe mais tarde.”

“Acho que tem uma gimba de cigarro no meu ouvido. Achei que tivesse falado que ia conhecer a sua mãe hoje.”

“hahaha! Você é tão esquisito! É claro que nós vamos.”

“Você está louco. Não estamos nem namorando direito!”

“Ah, mas você já esta dormindo na minha casa, não acho nada demais... Vou pegar um café, quer?” e saiu sem ouvir a resposta. Em outros momentos eu piraria. Se fosse outra pessoa eu estaria louco. Mas estava absorvido demais nos meus próprios problemas para pensar nele. Ou na mãe dele. Saí sem comer, deixando um recado de que o encontraria mais tarde. Precisava andar. Andei quase que do Jardim Botânico a Copacabana para finalmente me jogar na areia. Estava perdido. Não fisicamente, mas precisava de um rumo na vida. Não via nenhuma possibilidade de futuro próximo, nem de como sairia da merda que estava. E tinha o Gabriel. Talvez por isso e pela insensibilidade dele para certos assuntos eu simplesmente não achava que ele era o cara. Não tinha futuro, mas eu estava vivendo. Uma merda de purgatório. Ligo para o Luis e descubro que ele não está muito longe. Acho engraçado isso. Hoje em dia alguns amigos ainda me ligam e aparecem de surpresa na minha casa, mas tenho a impressão que cada vez mais na vida real virtual que temos, as pessoas não fazem mais isso. Elas cutucam. Chamar atenção sem dizer nada é quase como gritar hoje em dia. Somos hiperbólicos em nossas reações, mas não sabemos descrever o que sentimos. Eu ainda tentava cultivar isso. Não só de falar, mas de ouvir e tentar entender os problemas dos meus amigos. Ninguém mais fala, só quando encontram alguém para ouvir. Ao mesmo tempo, ninguém quer ouvir só ter um monólogo.

Encontro Luis no bar e falamos sobre tudo. Tava mais triste pela falta de trabalho e de dinheiro que pelo cara que queria me mostrar para a mãe mas não fazia a minima do que rolava comigo.

 “Tem homens que servem para casar outros para cruzar. Ele é o segundo tipo, com certeza.”, disse o barman colocando toda sua convicção no copo. Era isso? Achar o cara para casar era como procurar um bilhete de loteria? Isso era idiota.

O barman era idiota.

Principalmente Gabriel era um idiota.


Ouça depois de ler*: Skunk Anansie - Secretly

4 comentários:

  1. pobre Gabriel? pobre menino que sofre pq tem alguém q qr namorar com ele

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  2. gostei. mais visceral, mais humano.

    "uma merda de purgatório" been there, done that

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  3. Então, triste gente que se importa mais com a titularidade de um evento do que com o sentido e a importancia da coisa.

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