sexta-feira, 15 de maio de 2009

Ato I: Limites Derivados




[ Eu vim pra confundir, não pra explicar ]
Chacrinha







Previsibilidade nunca foi algo que gostasse. Sempre achei graça na diferença, no incerto, no errôneo. Fui contrário às convenções e clichês ou sempre os usei do lado avesso. Gosto de pensar que posso tocar o céu ou você, sem nunca saber o quão distante ambos realmente estão de mim. Mas a realidade, dura como pedra, é preciso enfrentar e para se alçar vôos mais altos submete-se a certas convenções. Como os famigerados ‘horários’, ‘prioridades’ ou ‘refrigerantes de baixa caloria’. Ok, não tem problema. Acorda-se cedo, toma café e entra na rotina do trabalho/curso/faculdade e a vida começa a girar na velha roda da fortuna.

Então contra as amarras da fortuna montamos os sonhos. O meu era mudar o mundo. Talvez não o mundo todo, mas pelo menos o mundo de alguém. Com uma palavra, um desenho, uma expressão que fizessem povos se enfrentar, que fizesse verdades caírem, que fizesse o silêncio mais barulhento registrado pela humanidade. Foi assim que escolhi a minha escola de vida. E me decepcionei nela. Não se estuda mais a essência das coisas, mas sim o que será pratico para ganhar dinheiro; não se fala mais de inspiração, apenas de ferramentas de trabalho; paixões passaram a ser cartazes de filmes e amores, produtos de beleza. E o horizonte vai ficando minguado, em tons de cinza mecânico. E em algum ponto as coisas se perdem. Perde a paixão, a inspiração, a beleza. Perde a vontade, o amanha e passa a ser prioridade conseguir mexer no programa de último tipo que vai salvar 10 horas de trabalho manual ou então a comprar um presente em uma data que você nem sabe qual é apenas porque as lojas têm promoções imperdíveis e você não pode perder. E são coisas miúdas, miúdinhas que acabam por fazer da vida algo mazomenos, que dá para levar. Pequenos estímulos e pequenas conquistas. Sem surpresas, porém estável e seguro. E previsível.

O cotidiano já dormia do meu lado quando tudo começou. E ao acordar tudo o que eu mais queria era ter tempo de dormir durante o banho. Saia de casa rezando para que ainda tivesse dinheiro para ir na faculdade assistir aquela aula chata-porém-importante e esperando o final de semana chegar para descansar mais, mesmo que nunca descanse realmente no final de semana. A faculdade, antes o lugar onde eu estava perto do sonho, hoje era um lugar de chateação, tédio e pessoas nocivas. E apesar de Sartre dizer que o inferno são os outros, era inegável como aquilo me afetava. Possessão talvez fosse demais, mas um Ebózinho pelo menos tinha de ter. Era como se qualquer centelha de emoção em se aprender se esvaísse no segundo em que pisava lá e tinha de encarar minha turma. E nesse caso o inferno se tornava eu.

Como a professora de Tipografia havia definido que éramos uma “turma estranha com gente esquisita”, aspas com dedos. Metade dela eram grafiteiros, com uma parte que já ganhava para comprar os mais caros livros de referência - e acreditem, livros de arte e design não são baratos - e a outra parte se contentava em rabiscar a parede e conseguir um baseado. Na outra metade da turma estavam as meninas cinéfilas, as pessoas alternativas e aqueles que dormiam no fundo da sala. E tinha eu. Pessoalmente eu prefiria as cores do art noveau, conheço pouco de filmes cult, odeio hipsters e, na medida do possível, tento assistir as aulas sem dormir. Logo, eu era o ser estranho de lá, mas quando eu não fui? E podem achar engraçado, mas quando tudo começou, éramos todos muito simpáticos uns com os outros. Simpáticos, até nos conhecermos.

Ver que pessoas que deveriam saber a diferença entre rótulos e bons conteúdos fazendo picuinhas por causa de estereótipos é a real decepção do lugar. Porque vocês sabem que o amigo é bom quando te traz algo, quando te indica. Me diga com quem andas que te direi se vais fazer sucesso. A união faz a força, mas se tiver problemas já sabemos os culpados. E uma serie de outras lições de hipocrisia moderna vistas no microverso de uma sala de aula onde o papel de gay assumido se torna extremamente difícil se não se quer cair nas graças de um personagem.

E aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo de cima do muro. Separado de sua turma, entediado com sua vida e com o caminho que ela estava levando. Mas tem coisas que estão além das nossas mãos. Porque mesmo aquele que se submete a rotina está passível de uma surpresa da vida, que pode ser uma festa de aniversario, um bilhete de loteria ou perceber um nódulo no testículo durante um banho antes de dormir.


Infelizmente eu não ganhei na loteria e meu aniversario ainda não passou, mas pode se dizer que já não sou mais aquele que estava em cima do muro...



[continua]




Para ouvir depois de ler: Rita Lee – Hino dos malucos

11 comentários:

  1. mto bem escrito!

    (e a imagem lá de cima do blog ficou legal... mudou ou eu que sou distraído?)

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  2. Muitas coisas em comum com minha vida...

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  3. Uaaau!
    A vida e cheia de surpresas, boas e ruins...
    e quando elas passam, temos que escolher o lado do muro

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  4. Adorei.

    Ja tentei mudar o mundo, mas hoje mal estou conseguindo mudar a mim mesmo.

    Sala de aula nunca foi unanimidade e eu sou mais ou menos uma cópia sua na minha. Ainda tenho a esperança de que dÊ tudo certo e que a faculdade me satisfaça em meus anseios...


    P.S.: Essas surpresas da vida ocorrem muito mais e em muito mais gente que imaginamos.


    E servem para muita coisa, do que ser um simples problema como as pessoas dizem.

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  5. Fui o orador da minha turma da faculdade. Lembro de uma parte do texto em que eu dizia que no início erámos todos simpáticos e sorridentes, até que nos conhecemos e a simpatia se foi e os grupos se formaram pela afinidade, ao passo que os isolados tornaram-se ilhas rodeadas por gente.
    Normal, né?
    Aquele abraço

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  6. Ah, as aulas de tipografia... Ai de alguém falar de Arial na sala. As meninas cinéfilas, as que você chama de alternativas (ainda não sei o que quer dizer isso), vejo-as falando em Verdana, em Helvética, talvez. Elas falam "filmes do Truffaut" ou "cinema oriental" e não sabem que estão usando Arial (bold e em caixa alta) quando falam nisso. Ah, as aulas de tipografia...

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  7. de uma certa e quase todas as maneiras, esse tb sou eu...

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  8. Man,já te falei que sempre leio aqui mas nunca paro para comentar, e esbarrar no msn com vc está putamentedificil, então, me forço a escrever.
    Li o texto, como li todos os outros. Realmente quando a gente para pra pensar no que se quer da vida, e no que ela realmente nos oferece, a frase "se a vida tiver um limão,faça uma caipirinha" perde totalmente o sentido, porque no inicio ela te dá um limão, mas as pessoas se encarregam de azedar todo o resto. Eu poderia te dizer um bando de coisa otimistas, que no futuro algo muda, ou que o amor é o estímulo para continuar. Amor aos amigos,ao design, a familia, a faculdade, ao namorado... ou até o amor próprio... mas não quero ser hipócrita. Sartre estava correto em seu ponto de vista, mas, na verdade, a gente tem que conviver com os outros sempre. Eles vão julgar, vão ignorar, vão ferir, assim como nós, é a roda da vida e ela não pára quando fechamos os olhos, ou choramos, ou nos decepcionamos... e da pior forma você descobre que ninguém, realmente ninguém se importa além de você. Nessa era de amores relâmpagos, amizades de orkut e relacionamentos fast-food, parar pra pensar na vida é o que te causa um aneurisma, um descontentamento,infelicidade geral. De um lado você está feliz com seu namorado, do outro tem sempre um "amigo" te falando que o bom mesmo é estar livre leve e solto saltitando. Na faculdade seus professores destroem seus sonhos te mostrando o lado ruim, o lado péssimo da coisa que é focar no que vende, no que engana o cliente, no paycheck da empresa e no seu pescoço. É como tentar admirar a Monalisa pensando no quanto vale o quadro e não no enigma da coisa toda. Hoje as cores nas ruas estão feias, as cores no rosto das pessoas não se vê por causa dos óculos enormes e maquiagem, e a unica coisa que você pode ver que é real é seu reflexo no espelho... me pergunto até quando vai ser assim.

    Quanto ao texto, vou esperar a continuação. I'll keep on watching you m'boy.

    miss ya.
    Taltos.

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  9. Nesta caminhada é mais fácil mudar-mos do queseguir mudar algo. Belo texto, me emocionou muito pq houve uma grande identificação.
    Bjs

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  10. ótimo texto!
    O mais legal é a gt saber q dá pra tirar alguma coisa boa de tudo, até mesmo das coisas ruins!!

    Continue!! Um dia você muda o mundo...
    Voto em vc pra Presidente do Brasil! hehe


    Abço ^^

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  11. Nada como um salto de cima do muro pra sacudir as coisas!

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