domingo, 26 de abril de 2009

Fugere urben

"Porque protegê-las,
porque ter saudades,
porque amá-las?"

InuYasha








‘Oi, boa noite.’

‘Boa noite.’

‘Foram vocês que chegaram hoje?’

‘Ah, sim . Vamos passar a semana aqui pelos feriados, sabe.’

‘Que legal... É a primeira vez de vocês aqui em Visconde de Mauá?’

‘Não, não... Na verdade nós já viemos algumas vezes, mas a última vez faz sete anos, então tudo está bem diferente para a nós...’

‘Entendo... Eu e minha família estamos aqui pelo menos três vezes ao ano. Eu adoro a serra e a natureza. E os chalés daqui são ótimos, não?’

‘É, claro... Bem, já que conhece o local, o que poderia indicar para nós?’

‘São só vocês dois?’

‘Oh, não, não. Além de mim e do meu marido tem meus dois filhos, Luis Carlos e Luis Augusto... Depois de certa idade é difícil fazer os filhos ficarem junto com você, mas em viagens sempre fazemos programas juntos.’

‘Eu que sei. Tenho uma filha de 17 que já não viaja mais com a gente. Arranjou um namoradinho e preferiu passar o feriado com ele. Olha, um lugar que acho muito bonito aqui é a Cachoeira da Saudade. É uma propriedade particular logo após do Acantilado que é deslumbrante. Acho que vão gostar. Alias, qual o seu nome?’

‘Ah, desculpe. Nem me apresentei. Meu nome é Claudia.’





Visconde de Mauá era o refugio hippie onde os meus pais faziam planos de morar quando eu e meu irmão saíssemos de casa e estivéssemos por conta própria. Eu estava tendo uma semana ruim ate que a viagem apareceu como uma chance de não ter um ataque de nervos. Eu tinha pressões no trabalho da livraria, problemas de greve de professores na faculdade e a velha falta de dinheiro que batia a minha porta mais uma vez.Precisava sair para colocar a cabeça no lugar.

O carro balançava violentamente por causa do chão de pedras e buracos, mas eu estava em outro lugar com o meu mp3 tocando. A paisagem verde passava com suas vacas e cavalos e brejos e de vez em quando eu parava para tirar uma foto e esticar as pernas. Meus pais haviam pego uma informação com um vizinho do hotel sobre um lugar onde, segundo este, o lugar era ‘uma linda cachoeira com um bar do lado’. Babaca. Mas pelo menos era um programa melhor do que ficar no quarto vendo televisão ou procurando uma lan house em uma cidade do interior.

Chegamos ao tal Acantilado há 6 km do local onde nos hospedávamos e pedimos informações. A Saudade ficava a 8 km da onde estávamos. Mas para mim estava a mais. A saudade estava com Edu. Tentei ligar para ele, mas estava sem serviço. Como ele estaria sozinho no Rio? O que estava fazendo?

‘Luis, vamos.’, grita minha mãe. ‘Você parece distante, o que acontece?’

‘Nada... Acho que ainda não entrei no clima da viagem...’

‘Meu filho, a gente só entra no clima no último dia, quando temos de voltar... Mas tenta aproveitar esses dias de Cinderela que quando voltarmos é de volta a ser abóbora, trabalhando e pagando contas...’
, um solavanco a interrompe. O primeiro de muitos. O chão acidentado era um convite a toda a sorte de problemas no carro.

Depois da primeira porteira da propriedade, meu pai começa a ouvir um barulho estranho no carro e o estaciona em um descampado para ver se tem algum problema.

‘O chão está muito esburacado, deixe o carro aqui e vamos andando. Não deve ser muito longe.’
Trinta minutos depois.

‘Já sei por que chamam esse lugar de Saudade.... Esta joça é tão longe que sentimos saudade de casa, da civilização... Ah, a civilização, o trânsito, o gás carbônico!’ ‘Realmente é impossível ser feliz na natureza.’

Chegamos a segunda porteira. Meu pai e meu irmão já estão cansados e decidem ficar perto do rio enquanto eu e minha mãe seguimos. Foi a melhor coisa que eles poderiam ter feito.

Passamos por casas abandonadas, mais vacas, mais cavalos e mais cachorros e para melhorar ainda estava frio. Eu e minha mãe pouco falávamos. Estávamos mais preocupados em não pisar em merda ou pedras pontiagudas e quando falávamos era para amaldiçoar o maldito que deu a idéia de irmos lá.




Uma hora e vinte e cinco desde que deixamos o carro.

A última porteira. Ao longe uma ponte com a primeira cachoeira apontava. Nossos chinelos já estavam nas mãos. O bar ,que era depois de uma insalubre escadaria, era feito de tocos de madeira no lugar de mesas e cadeiras. Uma decepção só pior do que a atendente muda, que nem era solidária com a nossa dor.Sentamos e pedimos algo para beber. Mas decidimos não pagar 4 reais para ter de subir as cachoeiras.

‘Estou com saudade do Edu. Sei lá, fico pensando no que ele ta fazendo nessa semana e fico distante de tudo.’, desabafei entre um gatorade e uma skol.

‘Luis... Sabe, antes da viagem eu estava falando com o Alex, meu amigo, e ele me contou que estava meio que obrigado a morar com o ex-namorado porque não tinha dinheiro para um lugar só dele. Ele tem 35 anos e tem de se submeter a uma situação incômoda para ficar no Rio ou voltar para casa dos pais no interior... Ele quando ele me disse que se arrependia de ter namorado durante a faculdade de arquitetura e não prestado atenção na profissão, eu lembrei de você. Você é muito inconseqüente com o seu dinheiro e sinceramente acho que você já não ganha mais nada estando naquela livraria. Você trabalha muito, ganha pouco e deixa o seu sonho de designer em segundo plano. Eu raramente te vejo tão empolgado com um projeto ou com algo que te dê dinheiro, só com festas, roupas e namoro. É uma questão de priorizar. Agora, eu sei que você esta sentindo falta do Edu, mas não seria o momento de parar e pensar qual o rumo da sua vida?’




Ela é a rainha de fazer isso. Colocar o dedo na ferida quando menos se espera. Voltamos conversando ainda sobre isso. E mesmo achando que ela faz um pouco de pressão para que eu caminhe eu não posso negar que é sempre para frente que ela me empurra. Mas parando para pensar eu estava confuso e sem prioridades. Trabalho para pagar meu celular, minhas saídas e bebidas e o resto das contas jogo no colo dela. E meu ultimo plano era pensar o que eu tinha de cortar para passar um final de semana em São Paulo com o meu namorado. E embora ainda soe como um plano bom, o presente não é o que eu deveria ter como meta. E daqui a dez anos o que seria? Eu teria de me submeter ao meu namorado/marido para poder fazer o que eu gosto ou quero ou então voltar para a casa da mamãe? Não era este o futuro que eu queria para mim. Embora tivesse saudade e bem querer, para que tudo fosse para frente era necessário que os dois andassem com as próprias pernas. Se o meu futuro é com o Edu é algo questionável, mas que este futuro não deve depender de ninguém isso é um fato.

A noite, já deitado eu recebo uma mensagem dele: ‘Miss u, sweetie. Luvya...’

E com o ponto pulsante da pagina de resposta eu vi que tinha de abrir meu espaço, respirar. As duvidas finalmente saiam de mim, mas pousavam em outro canto. Mas prefiro deixar as duvidas para quando houverem problemas.








Para ouvir depois de ler: Jordin Sparks – One step at a time

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Três Palavras

"As grandes paixões,
aquelas que chegam de repente,
sempre trazem consigo as suspeitas".

Cervantes





Resumos da noite anterior são difíceis de sintetizar. Deus sabe que esta é a terceira versão do texto e que foi difícil de sair. Não porque algo precisasse ser inventado, mas porque dentro de um mundo de acontecimentos e pessoas tentar focar no que realmente importa é algo que ainda tenho dificuldade de fazer. Tanto por escrito quanto na minha vida.

No dia seguinte da festa, sou acordado pelo telefone às 15 horas. Minha cabeça dói e tendo a ser mal educado quando sou acordado. Era Fabio que queria marcar de ir ao shopping para conversarmos sobre a noite e talvez pegarmos um filme. “Nem fudendo eu saio da cama hoje.” Jogo o telefone na parede e ele silencia, mas já não consigo dormir. O que foi da noite anterior? Fabio bebeu demais e dançou “Single ladies” melhor que o cara que se apresentou no concurso. Henrique ficou puto com o namorado que se cansou lá pelas três da manha e queria ir embora. Marcos, um amigo nosso que eu quase não vejo, havia gamado em um cara muito feio, mas que morava perto dele e ia levá-lo de carona. Noite com três palavras: Pessoas Muito Loucas.




Café, computador e Cibelle. Vícios de sempre. Acho incrível a velocidade das pessoas para coisas inúteis. Já havia fotos da noite anterior no Orkut. Típicas. Pessoas suadas e acabadas se abraçando. Pessoas com passos duvidosos e caretas sem fim. Pessoas se pegando em fundos escuros do lugar. Por isso que eu nunca tiro fotos depois de entrar. O telefone toca. Mamãe. “Estou indo passar aí, meu filho.” Ótimo, eu precisava mesmo da mamãe.

Entrei na festa com pelo menos três latinhas de cerveja, uma caipirinha e muito papo cabeça dentro de mim. Já estava mais pra lá do que para cá. Mas estava curtindo, me divertindo, rindo. Entramos e ficamos na pista, dançando. Tudo estava ótimo, ate que começo a sentir algo estranho. Não era ânsia, pois havia comido algo antes de entrar. Era só aquela incomoda sensação de estar sendo observado, como se o meu telefone fosse tocar e o assassino fosse perguntar qual o meu filme de terror favorito. Sei lá. Começaram as apresentações e o Dj desandou a falar. Resolvemos sair e sentar um pouco nas mesas do lado de fora. Nesta hora, Henrique aponta para a porta e diz “Ih, olha o Alessandro saindo ali!”. Abaixo a cabeça unicamente para pensar “Putaquipariu!”

Sentamos e conversamos, mas meus olhos insistiam em acompanhar aquela figura estranha, que ate então não tinha me percebido na festa – Graças a Deus! Estranho, pois não me lembro de conseguir focar direito nessa hora. Henrique, reparando na minha cara, me chama ao banheiro.

“Luis, você está sendo idiota e espero que esteja sendo por causa da bebida.”, disse Henrique se olhando para o grande espelho no banheiro, “Olha, eu te entendo. Sei do que você está com medo. Está com medo de o Alessandro chegar e estragar de alguma forma o que ta rolando entre você e o Edu. E sinceramente isso é burrice...”

“Pára, Luis....”, minha mãe interrompe minha narração. “Você acha que ta enganando quem? É obvio que você não estava com medo disso. Até porque o que ele diria ou faria para estragar o seu relacionamento? Você está é com medo do Alessandro chegar junto e você não saber o que fazer! Ficar na duvidazinha entre ele e o Edu. Que coisa mais juvenil! Pára de ficar olhando para trás. Vira essa página, menino, porque ele com certeza já virou!”

“Não, mãe... É só que...”, comecei a responder, mas me detive. Pensei. Não estava totalmente errado. “Eu não vou dizer que isso não passou na minha cabeça... Mas não é preciso muito para ver que isso é babaquice. Até porque foi como o Henrique disse lá no banheiro...”

“O Alessandro não teve nem coragem de se assumir por você, você acha que ele vai ter coragem de vir falar com você?”, disse sério através do espelho, tão sério que nem ele mesmo acreditou que pudesse. Voltou-se para o seu cabelo e terminou “Além do mais ele não iria mexer com você, porque se ele vier a gente se junta e mete a porrada nele. Vamos, to pronto.” Rimos e saímos.

Rogério estava do lado de fora com um refrigerante para o namorado.
“Vocês demoraram... Está tudo bem?” “Sim, papo de menina no banheiro.”, e voltamos para pista.


Mas a má impressão ainda não tinha saído. Momento com três palavras: Guilty as charge

A música nos embala e começamos a zoar e tudo vai bem. Ate que começa a apresentação de alguém e A passa por nós com seus amigos. E o desconforto volta com força total. Então decido abrir o jogo com Edu. O chamo para comprar bebida conto tudo na fila da perseguição, do medo e do fato que tava meio bêbado e podia ta falando demais.

“ ...E sei lá, eu sei que é ridículo, mas fico com receio dele estragar nossa noite...”

Ele me puxa para o lado de fora e sentamos no canto das escadas, o mesmo em que ficamos horas conversando quando ficamos na primeira vez.

“Luis, isso realmente é ridículo. Não a nada, nem ninguém aqui que possa estragar nossa noite, só nós mesmos. E o mesmo acontece com a gente. Olhe para mim. Vamos fazer três meses juntos. Desde que estamos juntos todos os nossos encontros, mesmos aqueles que terminam com algum problema, são ótimos. É ótimo estar com você. E ninguém, ninguém pode mudar isso, só a gente tem esse poder.”

Eu não esperava isso dele. A verdade é que sempre me surpreendo com ele. Nos beijamos e pedi desculpa. Normalmente sempre esperei que o outro fizesse algo de errado para decretar o fim do relacionamento – e em muitos isso aconteceu. Mas nunca parei para pensar que a falta de confiança em mim mesmo poderia ser ruim. E apesar de nunca ter sido inseguro assim,vi que estava sendo imaturo diante de alguém que não merecia isso.

Voltamos para pista, desta vez com a intenção de nos divertirmos. E dançamos e rimos e cantamos e fizemos da noite mais um dia memorável para nós. Não precisava de ninguém, nem de mais bebida, nem de mais pessoas. Tinha meus amigos e tinha ele. Eu tinha ele.

No ouvido dele, três palavras: Eu te amo...

Ele me abraçou forte e disse que me amava desde o dia que me viu no jantar em que nos conhecemos. Me senti mais conectado com ele do que nunca. Tanto que nem dei importância ao esbarrão que dei em A ao sair do banheiro, algumas horas depois. Mas o comentário do Edu foi definitivamente o melhor da noite: “Luis, ele ta melhor nas fotos que pessoalmente, hein...”







Para ouvir depois de ler: Amy Winehouse – Will you love me tomorrow?

sábado, 11 de abril de 2009

A Liga do Bem contra a Legião dos Ex-namorados Excrotos

"É mais fácil pedir
perdão do que permissão."

Calvin e Haroldo






Quinta-feira, Lapa. O bar Arco-íris já está virando um ponto nosso. Depois de um dia inteiro fora com Edu paramos lá para beber e resolvemos chamar os meninos. Os amigos do Edu já tinham programa, então só restaram os meus amigos. No telefone eu relutei um pouco, mas por causa do programa de sábado [hoje] resolvemos nos ver antes.

Bem, para entender o porquê do meu receio eu tenho de atualizá-los do que andou acontecendo entre nós três. A começar por Fabio que se desiludiu com o X, que realmente era um idiota que só pensava no trabalho e no seu relacionamento passado, fazendo com que o meu amigo voltasse para onde ele se sentia a vontade: à noite. Fabio saía, bebia e reorganizava sua agenda de contatos e amantes. Ate um dia nos encontramos não por acaso no Arco-íris também e depois de um pouquinho de álcool e filosofia entramos em uma discussão homérica sobre felicidade/amor/sexo onde, segundo ele, eu usei a palavra ‘infeliz’ umas duas vezes para me referir a ele e ele ameaçou quebrar a garrafa na minha cabeça umas três. Tudo na maior fraternidade, claro. Na hora eu pensava que estava fazendo uma intervenção a um amigo, mas para ele e para os demais presentes aquilo ficou como ofensa totalmente gratuita. E é claro, quando duas comadres brigam acaba sobrando para a terceira, que ao tentar apartar acabou como objeto de critica dos dois. O problema de amigos perto é que apesar deles serem aqueles que te ajudam também são aqueles que eles vêem nossos defeitos e não hesitam em colocar o dedo na ferida. Quando é um toque amigo do tipo ‘acorda para a vida’ ele pode ser bem vindo. Mas às vezes eles vão mais fundo do que deveriam, e foi o que eu havia acabado de fazer.



“Está aqui. Três ingressos para a Ultra Love Cats.”, disse Henrique batendo os ingressos na mesa com força. Demos o dinheiro pelos ingressos adiantados e ficamos em um silencio incômodo ate que Edu e Rogério, os namorados, quebrassem o gelo e começassem a conversar sobre algo qualquer só para que alguém falasse. Ai eu que não agüentei.

“Ai, desculpa eu não posso ficar nisso de fingir que não tem nada acontecendo. Me deixa falar!”, interrompi o que quer que estava acontecendo e tomei a atenção da mesa. “Meninos, vocês sabem que eu adoro vocês e se é para ficarmos emburrados um com o outro prefiro não ir nesta festa.”

“Eu concordo”, disse Fábio, ”Eu nem estava querendo ir nesta droga. Alem do mais é um concurso de coreografias, já imaginou a merda? ”

“Mas a idéia de irmos era justamente para zoarmos as pessoas dançando, bebermos e curtimos a noite porque o Luis não sai mais com a gente...”

Minutos de tensão e ninguém falando nada.

“Já que ninguém quer falar eu falo...”

“Luis, se você me chamar de infeliz mais uma vez essa garrafa vai voar na sua cabeça, viado!”

“Não, Fabio, escuta. ... Me desculpa se fui um pouco invasivo e...”

“Invasivo, incoveniente, futriqueiro... awn... que mais?”, enumerou Henrique.

“OK, ok... eu entendi. Não sou perfeito para ficar apontando os defeitos dos outros nem para ficar dando lição de moral, já entendi. Só não quero que a gente fique assim.”

[...]

Amizade, assim como namoro, passa por seus momentos de turbulências e excessos. Nós nos gostamos, mas não somos super-amigos-fofos sempre. Às vezes é necessário uma D.R.’s entre amigos para resolver os mal entendidos que aparecem. Abraços e risos depois já voltamos a falar besteiras e os namorados respiraram aliviados.


Saímos de lá e enquanto andávamos para algum ponto voltamos a comentar da festa. Estávamos animados de novo com a possibilidade de nós três como nos velhos tempos e já estávamos pensando na pré-festa...

“... porque eu não quero chegar sóbrio meeesmo naquela festa...”, eu disse.

“Valeu, bebum.... Mas porque isso, Lu?”

“Vocês deram uma olhada na lista amiga da festa? Vai ter mais ex por metros quadrados que em qualquer festa! Praticamente a volta dos mortos vivos!”

“Sim, sim!”, Fabio se identificou, “Cara, eu to com muito medo disso... Ate o X vai nessa drouga dessa festa, Eu estou com medo de fazer alguma besteira.”

“Ainda bem que eu não tenho esse problema porque sou de família e não solta na vida que nem vocês duas...”, ironizou Henrique.

“Ah, vai a merda, Henrique...” e recomeçou a briga das candinhas.

Quando a brincadeira parou, Henrique deu a noticia que eu não queria ouvir.

“Lu, você viu que o Ale está na lista, não é?”

Eu fiquei em silêncio e olhei para o Edu que fez uma cara de quem entendia o meu receio, mas na verdade não entendia. Nessas horas amaldiçoava o fato de ser o primeiro namorado dele e não ter ninguém que fisicamente pudesse ser colocado em contraponto ao A. Mas principalmente tinha medo do que poderia acontecer, de como eu iria reagir ao vê-lo novamente. Era um medo irracional e sem sentido que na minha cabeça, só o álcool poderia esconder.

“Lu, não se preocupe! ”, disse Fábio segurando meu ombro e olhando para o infinito como Buzz Lightdear “ Seremos a Liga do Bem contra a Legião dos Ex-namorados Excrotos! Vamos ser tão bafônicos e fechativos que todos morreram de inveja e eles de raiva!” Rimos por uma meia hora e a conversa descambou para outro lado. Mas agora, horas antes de sair para me encontrar com eles de novo, isso voltou a minha cabeça.




O que a noite reserva para nós?








Para ouvir depois de ler: Duffy – Rain on your parade

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Operação 'Bem Estar Bem'



"Se a senhora acha gordura engraçado,
compre 1 quilo de toucinho.
A senhora vai rir o ano inteiro."

Jô Soares reagindo a uma espectadora
que disse que ele perde a graça quando emagrece




Oh! O Feriado! Tempo de relaxar, de sair. É a brecha no mês que os brasileiros esperam e olha que nem precisa esperar muito, já que em abril o que mais tem é racha no mês. Os cariocas então que vão ter uma semana inteira de feriado, quer coisa melhor? Quero. Quero dinheiro para pagar esses dias de borestia porque o coelhinho da páscoa está cobrando mais pelos seus ovos que os cowboys de Copacabana ou as travas na Lapa, o que faz desta mais uma Páscoa magra. Droga. É claro que aparecem aqueles ovos de parentes distantes que para não fazer corpo presente nas reuniões familiares mandam presentes nos seus lugares que na maioria das vezes é melhor do que olhar para cara deles, mas poucas vezes é o que você quer. Mas é de graça, fazer o que? Mas decidi deixar isso de feriado religioso com gordura trans de lado. “Isso não me pertence mais”, diria aquela personagem do programa cômico mais repetitivo de sábado que eu não lembro o nome. Mas era mais caso de fechar a boca do que protestar contra a população judaico-cristã-ocidental. Eu explico.

Terça-feira à noite. Chuvas torrenciais com alagamentos e eu entocado em um bar pé sujo, sozinho. Nem queria beber, mas como também não queria me molhar preferi ficar com a primeira opção. Com sorte consigo me jogar em um taxi que passava vazio e chego em casa. Já havia passado da meia noite então já era quarta-feira. “Em menos de cinco horas eu vou precisar acordar cedo para trabalhar”, dava tristeza só de pensar. Frito um ovo para não dormir com fome, único prato que consigo pensar nesta hora. Com comida no estômago eu divago menos. Me arrasto ate o banheiro e olho no espelho. “que lixo... to parecendo um mendigo”, penso. Vou para a cama pensando que devia fazer algo a respeito.

O relógio toca estridente e eu não acredito que já era hora de acordar. Aquilo não estava certo. Coloquei na cabeça que não ia trabalhar e pronto. Mas precisava de uma desculpa, afinal emprego não se acha em árvores hoje em dia. Certas desculpas você pode tentar colar quando liga para o trabalho, mas são tão comuns que é capaz de você ser descontado em folha só por pensar em usá-las.

Acordei doente/vomitando/no trono/em fase terminal de uma doença contagiosa?
Melhor não. Ontem você estava saltitando por mandar o cliente mala embora e não vai fazer sentido você ter ficado de cama no dia seguinte.

Matar a mãe/pai/avó/sobrinho de terceiro grau da vizinha da frente?
Improvável. Sua chefe é uma versão da Miranda Priesley depois de sair do CSI e com certeza ia pedir para ir ao velório só para colocar aquele vestido preto que ficou horrível, mas você disse que era lindo.

Catástrofes naturais?
Furacão e terremoto são difíceis de simular, mas uma tsunami nem tanto...

“Alow? Dona Velma? Desculpa, eu tive um imprevisto aqui em casa e não vou poder ir hoje trabalhar... Não, eu não to gripado nem nenhum parente meu morreu... Sim, a Dona Claudia ta ótima, mas me escuta estourou um cano na cozinha e ta tudo alagado aqui no meu apartamento... O que? Não, dona Velma eu não peguei leptospirose, é só água da cozinha...” e ela ficou ainda meia hora para me liberar e tentar ver se eu entrava em contradição. Mas tudo certo, o dia estava livre.

Pants down, you're free.


Com o meu feriado antecipado comecei a operação ‘Bem estar bem’, que pode parecer merchan de cosmético, mas era apenas um dia de mim para mim, porque não sou obrigado. A começar para voltar para cama e acordar quando o corpo dissesse que era hora de acordar. Logo depois com um café da manhã digno e um banho de no mínimo 45 minutos ao som de Edith Piaf. São direitos humanos básicos, meu amigo. Então enquanto eu tentava acompanhar a música com meu francês fajuto, eu passo na frente do espelho e fico a olhar. São poucos os momentos em que se está descansado/sóbrio/sozinho para que possa fazer esta análise sobre si mesmo. Olheiras eternas, barba por fazer, cabelo sem corte, pêlos no peito. Cai a toalha. Sim, pêlos. A descendência portuguesa é uma merda em se tratando de pêlos, então normalmente eu depilo ou simplesmente corto. ‘Normalmente’ neste caso foi há dois meses, quando comecei a namorar o Edu. Algumas pessoas são meio intolerantes quando o assunto são cabelos no corpo. Ou querem tudo peludo ou tudo liso. Pessoalmente acho isso de uma escrotice sem tamanho, pois há coisas mais importantes para se preocupar com o corpo de um homem do que pêlos. O Edu é peludinho e eu acho um charme. Mas vou contar que quando me olhei no espelho não me agradou nada a mata atlântica ali. Não era preocupação estética era conforto pessoal mesmo. E como já tava em um dia de Extreme Makeover, montei tudo para o ritual. Plástico no chão, dois espelhos convergindo, uma maquina e foi. Lugar de pele sensível, vai devagar. Quando agüentar o tranco pode deixar vermelho que ta tudo bem. Duas horas e muitos fios depois eu dou os retoques finais e volto para o espelho grande. Decepção, não eram os pêlos. Encolhe a barriga. Solta o ar. Totalmente indefinida. Vinte e poucos anos e um corpinho mazomenos. Ah, os meus quinze anos e duas horas diárias de natação... Será que algum dia vou voltar a fazer exercícios regularmente? Claro, quando for milionário e não precisar trabalhar/estudar/salvar o mundo todo dia. Bem, pelo menos as pernas dão um caldo. Espera. Não, era só a iluminação, esquece.


'Let's get physical, physical. I wanna get physicaaaal'


Acho que um pouco dessa preocupação estético-fisico-obsessiva vem da cultura gay dos homens perfeitos. No imaginário popular, que afeta inclusive os ‘entendidos’, existem dois tipos principais de gays: os caricaturais que são engraçados, espalhafatosos e não fazem sexo; e o gay-gogoboy-vemcadáumazinha que todos já esbarramos alguma vez. Eles são fortes, saudáveis, bonitos, pegam geral, fodem bem e devem ter dinheiro porque não gastam com filhos. Estão nas propagandas progressistas da Dolce e Gabbana, estão nos filmes pornôs como os homens sarados-bemdotados-paraoseuprazer, estão nos descamisados da boate e em toda a sorte de lugares. E embora eu saiba que parte da felicidade e beleza deles venha do glitter no ar ou do escuro da pista, eu não posso deixar de me sentir assim-assim com meu corpo. Ser deus grego está longe de ser uma meta alcançável, mas um pouquinho de músculo ou menos barriga seria melhor ou de mais dinheiro ou de menos preocupação ou ...[ad eterno].


Parei! Não vou ficar reclamando aqui. Eu ate tentei fazer a Bridget e escrever um relatório diário de pesos e objetivos, mas acho muito masoquismo subir na balança todo dia. Tenho um plano melhor para esta páscoa: Sexo para substituir chocolate. É perfeito! Você tem o mesmo prazer e menos calorias! É difícil, mas eu vou resistir à tentação do feriado. Estou decidido ovos só o do meu namorado.



Poucas calorias e muitos ovos para todos. E boa páscoa também!









Para ouvir depois de ler: The Gossip – Standing in the way of control

domingo, 5 de abril de 2009

Se ninguém escutasse


"Os pais somente podem dar bons conselhos
e indicar bons caminhos,
mas a formação final do caráter
de uma pessoa está em suas próprias mãos."

Anne Frank





Estava tudo no lugar, estava tudo funcionando. Nem tudo. Quando tudo vai bem algo tem de ir mal. Agora era a minha carreira de designer que entrava por indagações filosóficas perigosas. Abandonar ou não? Ir para onde, fazer o que? Jornalismo, Publicidade? Definitivamente não queria voltar para o vestibular, mas estava vendo um horizonte nublado na minha frente. Descobrir que não se tem talento para o seu destino não é muito bom. Mas sempre fui tão sincero comigo para o que eu queria e sentia que eu pensava no que podia ter dado errado para pensar em desistir agora?

Quando perguntas reflexivas começam a me perturbar eu volto para onde tudo começou. O negócio da minha família é uma papelaria e livraria em uma grande faculdade daqui. Assim eu cresci vendo livros e cores e pessoas diferentes e isso foi o que desenvolveu meu gosto pelas coisas. Por algum tempo, trabalhei lá também. Não era um trabalho que particularmente gostava, mas eu dominava e ganhava por isso, mesmo sendo filho do chefe. Talvez por isso a volta para este lugar não veio com o costumeiro gosto de nostalgia. Era um lugar que me inspirava, mas que carregava consigo uma grande carga de lembranças. Mas estava lá, funcionando.

Por cima dos óculos minha mãe olhou para mim quando entrei e abriu um sorriso. “Resolveu visitar a gente, menino? Ta com saudade de trabalhar aqui, pode falar...” Bolo e café na cozinha e já estávamos conversando sobre tudo. Era legal ver o quanto tudo mudara a tudo continuava o mesmo. Ela me apresentou ao funcionário que me substituiu depois que sai. Seu nome era Marcos. Dona Claudia, aKa. mamãe, diz que ele era engraçado, mas às vezes abusava um pouco no linguajar. Realmente ele falava demais, gesticulava demais, mas parecia uma pessoa boa de coração.



“E ele é pastor da igreja evangélica, meu filho.”, terminou minha mãe, com um olhar que confidenciava mais do que apenas aquele comentário.

Fiz cara de espanto enquanto olhava ele conversando com o cliente e cochichei para ela. “Mas, mãe... Ele é visivelmente gay... Como é que...que...”.

“Eu pensei exatamente a mesma coisa quando ele chegou, meu filho. Acho que nem ele mesmo percebeu que é por causa do tanto que foi reprimido...”

E então ela me contou a historia de Marcos. Ele tinha um irmão gêmeo, João. Sua mãe, pastora da igreja local, deu a seus filhos nomes bíblicos para que cumprissem sua missão divina na Terra. Ela queria que seus filhos fossem maridos responsáveis, pais de família, homens de respeito e valor. Mas conforme os dois cresciam ela deve ter reparado o quanto Marcos e João eram diferentes, por que mães em geral sabem. E para prevenir um filho homossexual ela forçou o filho a seguir a vida teológica. Colocou o em um seminário e embora no começo ele tenha resistido, ele acabou cedendo e tomando gosto pela coisa. Ele sabia que não tinha a vocação, mas ao se tornar pastor conseguiu o respeito e a aprovação que nunca teve da família e da vizinhança. Logo substituiu a mãe na paróquia. Depois, por pressão da família novamente, casou-se com uma das carolas da igreja que olhava diferente para ele no meio das missas. Nos primeiros dois anos ele achou que aquilo tinha sido um erro. Disse que haviam “problemas de adaptação ao casamento” (sic), mas depois de cinco anos juntos achou mais cômodo ficar onde estava. Arranjou o emprego na papelaria porque a esposa queria fazer faculdade de sociologia e acabou ficando por quase um ano já.

Neste ponto eu parei e pensei o quanto meus pais foram responsáveis pelas minhas escolhas de vida. Eles me mostraram o valor da beleza, da vida, dos filmes, das pessoas. Muito do que sou é por causa deles, ate mais do que eu realmente sei e por isso eu sou eternamente grato. Eles me quiseram bem sempre. Mesmo quando demonstrei que era diferente pela primeira vez, segundo a minha mãe aos cinco anos. Mesmo quando eu verbalizei minha “opção”. Mesmo quando os verbos viraram ações e as ações, pessoas. Eu fui e sou amado. Mas eles mesmos dizem que não foi fácil. Por muitas vezes tiveram medo, por muitas vezes não souberam o que fazer e foi numa destas vezes que a mãe de Marcos decidiu se agarrar a suas crenças e dizer ao filho que aquilo era ‘errado’, era ‘doença’, era ‘abominável’.


E a vida seguiu seu fluxo levando o para atrás daquele balcão. Apesar dos seus 35 anos ele já não esboçava perspectivas. Achava motivos para sorrir no dia a dia e não pensava mais no amanha. Foi quando pela segunda vez no mesmo dia e no mesmo lugar

A culpa nem sempre é só dos pais. Apesar disso, os pais não podem fazer tudo pelos filhos. As vezes eles precisam ver a vida de frente para acordarem, se acordarem.


Logo depois da conversa com minha mãe fui olhar alguns livros e esbarrei em um vizinho que sempre ia lá. Na verdade nunca trocamos uma só palavra, mas por sermos vizinhos nos cumprimentávamos cordialmente. Lembro que a primeira vez que o vi eu não sabia dizer o sexo da figura, dado seu nível de androgenia juvenil. Ele tinha um cabelo preto escorrido e um pega-rapaz gigantesco no meio da testa que lembrava o super-homem ou uma melindrosa dependendo do ângulo. Mas não agora. Ele tinha rapado o cabelo e estava mais fortinho, mas seu rosto era de uma quase inanição, bem diferente do garoto que eu conheci. Mas eu ainda via nos seus olhos quem ele era. “Boi preto reconhece boi preto de longe.” Quem nunca ouviu isso? E apesar da adolescência ter mudado seu corpo, ele ainda era um boi preto. Sua voz e seus pulsos finos o denunciavam. Em suas mãos estava um manual de tiro e balística que ia xerocar. Ele estava servindo ao exercito. Acenou com os olhos pregados no chão e saiu. Eu vi aquela figura chegar ao balcão e parei para analisá-lo. Eu passei por todo o processo do exercito e tenho certeza que ele não iria servir se não quisesse. Não que fosse opcional, mas para aqueles, digamos, mais caricaturais ou andrógenos o exercito não abre suas portas facilmente, a pessoa tem que querer. E a julgar pelas 55 cópias que ele tirou do tal manual eu digo que ele não está lá por vocação ou por necessidade, mas porque quer provar algo para alguém.


Eram duas pessoas, duas vidas separadas apenas por um balcão mas com historias de vida que tinham o mesmo caminho. Não pude deixar de pensar o quanto uma mentira pode mudar a nossa vida. Não era simplesmente a mentira, mas negação de quem eles eram se seus sonhos, de suas vocações e de como aquilo foi sufocado pelo seus pais e/ou pela sociedade que não aceita quem é diferente. Cada um achou a sua forma pessoal de felicidade torta onde lhes cabiam. Para o soldado, o exercito fosse talvez um jeito de provar seu valor para a família ao mesmo tempo que permitia que estivesse bem perto do seu objeto de desejo. Afinal nenhuma experiência é completamente perdida. Para o pastor o final foi diferente. Ele aceitou o seu destino mesmo não tendo vocação, mesmo nunca tendo amado aquela mulher, mesmo nunca tendo se apaixonado de verdade. Ele era aceito e respeitado, afinal. Seriam eles mais felizes se batessem de frente com seus pais e corressem atrás dos seus sonhos? Nós nunca vamos saber. São historias que se escrevem e que podem nunca mudar. Mas de certa forma a cada minuto que passa eu tenho a esperança que eles tenham uma iluminação e mudem suas vidas completamente.

Sai de lá disposto a encarar o meu horizonte nublado. Por mais que o futuro seja incerto ainda é um caminho a percorrer e este foi eu que escolhi.






Para ouvir depois de ler: Beyonce - Halo