"Os pais somente podem dar bons conselhos
e indicar bons caminhos,
mas a formação final do caráter
de uma pessoa está em suas próprias mãos."
Anne Frank
e indicar bons caminhos,
mas a formação final do caráter
de uma pessoa está em suas próprias mãos."
Anne Frank
Estava tudo no lugar, estava tudo funcionando. Nem tudo. Quando tudo vai bem algo tem de ir mal. Agora era a minha carreira de designer que entrava por indagações filosóficas perigosas. Abandonar ou não? Ir para onde, fazer o que? Jornalismo, Publicidade? Definitivamente não queria voltar para o vestibular, mas estava vendo um horizonte nublado na minha frente. Descobrir que não se tem talento para o seu destino não é muito bom. Mas sempre fui tão sincero comigo para o que eu queria e sentia que eu pensava no que podia ter dado errado para pensar em desistir agora?
Quando perguntas reflexivas começam a me perturbar eu volto para onde tudo começou. O negócio da minha família é uma papelaria e livraria em uma grande faculdade daqui. Assim eu cresci vendo livros e cores e pessoas diferentes e isso foi o que desenvolveu meu gosto pelas coisas. Por algum tempo, trabalhei lá também. Não era um trabalho que particularmente gostava, mas eu dominava e ganhava por isso, mesmo sendo filho do chefe. Talvez por isso a volta para este lugar não veio com o costumeiro gosto de nostalgia. Era um lugar que me inspirava, mas que carregava consigo uma grande carga de lembranças. Mas estava lá, funcionando.
Por cima dos óculos minha mãe olhou para mim quando entrei e abriu um sorriso. “Resolveu visitar a gente, menino? Ta com saudade de trabalhar aqui, pode falar...” Bolo e café na cozinha e já estávamos conversando sobre tudo. Era legal ver o quanto tudo mudara a tudo continuava o mesmo. Ela me apresentou ao funcionário que me substituiu depois que sai. Seu nome era Marcos. Dona Claudia, aKa. mamãe, diz que ele era engraçado, mas às vezes abusava um pouco no linguajar. Realmente ele falava demais, gesticulava demais, mas parecia uma pessoa boa de coração.
“E ele é pastor da igreja evangélica, meu filho.”, terminou minha mãe, com um olhar que confidenciava mais do que apenas aquele comentário.
Fiz cara de espanto enquanto olhava ele conversando com o cliente e cochichei para ela. “Mas, mãe... Ele é visivelmente gay... Como é que...que...”.
“Eu pensei exatamente a mesma coisa quando ele chegou, meu filho. Acho que nem ele mesmo percebeu que é por causa do tanto que foi reprimido...”
E então ela me contou a historia de Marcos. Ele tinha um irmão gêmeo, João. Sua mãe, pastora da igreja local, deu a seus filhos nomes bíblicos para que cumprissem sua missão divina na Terra. Ela queria que seus filhos fossem maridos responsáveis, pais de família, homens de respeito e valor. Mas conforme os dois cresciam ela deve ter reparado o quanto Marcos e João eram diferentes, por que mães em geral sabem. E para prevenir um filho homossexual ela forçou o filho a seguir a vida teológica. Colocou o em um seminário e embora no começo ele tenha resistido, ele acabou cedendo e tomando gosto pela coisa. Ele sabia que não tinha a vocação, mas ao se tornar pastor conseguiu o respeito e a aprovação que nunca teve da família e da vizinhança. Logo substituiu a mãe na paróquia. Depois, por pressão da família novamente, casou-se com uma das carolas da igreja que olhava diferente para ele no meio das missas. Nos primeiros dois anos ele achou que aquilo tinha sido um erro. Disse que haviam “problemas de adaptação ao casamento” (sic), mas depois de cinco anos juntos achou mais cômodo ficar onde estava. Arranjou o emprego na papelaria porque a esposa queria fazer faculdade de sociologia e acabou ficando por quase um ano já.
Neste ponto eu parei e pensei o quanto meus pais foram responsáveis pelas minhas escolhas de vida. Eles me mostraram o valor da beleza, da vida, dos filmes, das pessoas. Muito do que sou é por causa deles, ate mais do que eu realmente sei e por isso eu sou eternamente grato. Eles me quiseram bem sempre. Mesmo quando demonstrei que era diferente pela primeira vez, segundo a minha mãe aos cinco anos. Mesmo quando eu verbalizei minha “opção”. Mesmo quando os verbos viraram ações e as ações, pessoas. Eu fui e sou amado. Mas eles mesmos dizem que não foi fácil. Por muitas vezes tiveram medo, por muitas vezes não souberam o que fazer e foi numa destas vezes que a mãe de Marcos decidiu se agarrar a suas crenças e dizer ao filho que aquilo era ‘errado’, era ‘doença’, era ‘abominável’.
E a vida seguiu seu fluxo levando o para atrás daquele balcão. Apesar dos seus 35 anos ele já não esboçava perspectivas. Achava motivos para sorrir no dia a dia e não pensava mais no amanha. Foi quando pela segunda vez no mesmo dia e no mesmo lugar
A culpa nem sempre é só dos pais. Apesar disso, os pais não podem fazer tudo pelos filhos. As vezes eles precisam ver a vida de frente para acordarem, se acordarem.
Logo depois da conversa com minha mãe fui olhar alguns livros e esbarrei em um vizinho que sempre ia lá. Na verdade nunca trocamos uma só palavra, mas por sermos vizinhos nos cumprimentávamos cordialmente. Lembro que a primeira vez que o vi eu não sabia dizer o sexo da figura, dado seu nível de androgenia juvenil. Ele tinha um cabelo preto escorrido e um pega-rapaz gigantesco no meio da testa que lembrava o super-homem ou uma melindrosa dependendo do ângulo. Mas não agora. Ele tinha rapado o cabelo e estava mais fortinho, mas seu rosto era de uma quase inanição, bem diferente do garoto que eu conheci. Mas eu ainda via nos seus olhos quem ele era. “Boi preto reconhece boi preto de longe.” Quem nunca ouviu isso? E apesar da adolescência ter mudado seu corpo, ele ainda era um boi preto. Sua voz e seus pulsos finos o denunciavam. Em suas mãos estava um manual de tiro e balística que ia xerocar. Ele estava servindo ao exercito. Acenou com os olhos pregados no chão e saiu. Eu vi aquela figura chegar ao balcão e parei para analisá-lo. Eu passei por todo o processo do exercito e tenho certeza que ele não iria servir se não quisesse. Não que fosse opcional, mas para aqueles, digamos, mais caricaturais ou andrógenos o exercito não abre suas portas facilmente, a pessoa tem que querer. E a julgar pelas 55 cópias que ele tirou do tal manual eu digo que ele não está lá por vocação ou por necessidade, mas porque quer provar algo para alguém.
Eram duas pessoas, duas vidas separadas apenas por um balcão mas com historias de vida que tinham o mesmo caminho. Não pude deixar de pensar o quanto uma mentira pode mudar a nossa vida. Não era simplesmente a mentira, mas negação de quem eles eram se seus sonhos, de suas vocações e de como aquilo foi sufocado pelo seus pais e/ou pela sociedade que não aceita quem é diferente. Cada um achou a sua forma pessoal de felicidade torta onde lhes cabiam. Para o soldado, o exercito fosse talvez um jeito de provar seu valor para a família ao mesmo tempo que permitia que estivesse bem perto do seu objeto de desejo. Afinal nenhuma experiência é completamente perdida. Para o pastor o final foi diferente. Ele aceitou o seu destino mesmo não tendo vocação, mesmo nunca tendo amado aquela mulher, mesmo nunca tendo se apaixonado de verdade. Ele era aceito e respeitado, afinal. Seriam eles mais felizes se batessem de frente com seus pais e corressem atrás dos seus sonhos? Nós nunca vamos saber. São historias que se escrevem e que podem nunca mudar. Mas de certa forma a cada minuto que passa eu tenho a esperança que eles tenham uma iluminação e mudem suas vidas completamente.
Sai de lá disposto a encarar o meu horizonte nublado. Por mais que o futuro seja incerto ainda é um caminho a percorrer e este foi eu que escolhi.
Para ouvir depois de ler: Beyonce - Halo
nossa
ResponderExcluireu imaginei um filme agora
começando com os dois parados no balcão
ai abria e contava a estória dos dois
depois terminava com seu texto, um narrador em off explicando as decisões deles, por fim o soldado tirando novamente outra cópia com o mesmo pastor...
Engraçado como é a vida e as escolhas que fazemos.
ResponderExcluirPor muito pouco não fui como o garoto que te substituiu.
Meus pais são evangélicos e eu cresci numa família assim. Namorei, noivei, quase casei.
Mas endoidei, terminei noivado, saí de casa, rs...
E hj sou mais feliz, mais eu!
MEsmo sem declarar para familia q sou gay.
Mas, como vc bem diz, eles (pelos menos as mães) sempre sabem, né?
Boas histórias, boa argumentação.
Bom pra refletir.
Bjos
espero que eu consiga me libertar antes de me prender a confissoes aos meus pais.
ResponderExcluirbração!
sei lá
ResponderExcluirassumir p mim ainda é uma coisa distante, eu acho
mas viver uma vida q eu nao quero é fora d cogitação
só p provar algo p alguem?
nao
antes d mais nd minha felicidade, mesmo q aconteça tardiamente
eu sei q um dia eu vou conversar cm a minha mae e vou viver uma vida normal d homossexual
casar e encarra uma vida d aparencias naum eh p mim
xx
Amigo,
ResponderExcluirVou deixar meu msn.
Se quiser add pra gente trocar uma idéia uma hora dessas.
leco_faria@hotmail.com
Abração