quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Saida pelo portão 64

Esta é a continuação de "Certezas e Possibilidades"




“I know I've been a real bad girl (I'll try to change)
I didn't mean for you to get hurt
So ever, we can make it better
Tell me boy now wouldn't that be sweet?”
The Sweet Escape
Gwen Stefani



O sol invadia o quarto pela cortina da janela. Era um outro dia, uma outra cidade. No chão garrafas e roupas, na cama apenas lençóis. A claridade faz os olhos se abrirem para um quarto de hotel vazio. Entre o acordar e o entender o que tinha acontecido, me arrasto ao banheiro e lavo o rosto.

No espelho do banheiro estava escrito com creme de barbear
“tinha esquecido que você ronca, mas te amo mesmo assim. Sai para comprar comida, já volto. Beijos, Edu.”

E um post-it em baixo dizendo “Não sabe como é difícil escrever com creme de barbear...”

Só rindo. Entro no banho para ver se o resto do corpo acorda quando ouço a porta bater.
Eduardo coloca o rosto entre a porta e sorri, como criança.

“Não vai acreditar no mercado que tem aqui perto...” diz, mostrando as sacolas de compras.

“Se você contar eu acredito. To morrendo de fome...” respondo o beijando e procurando uma roupa.

Ele tira as compras e coloca em cima de uma mesa. O sorriso se apaga e ele sussura “Temos muito que conversar,Thi...”

“Temos, mas podemos fazer isso depois de comer, não?”

Ele ainda parece perturbado então o abraço por trás e digo que “Ainda não acredito que está aqui.”

“Nem eu. Só de pensar que matei o trabalho e o Junior e o que os meus amigos vão dizer e...”

“shii.... Por favor, não vamos fazer isso agora. Deixe os problemas do Rio para o Rio, hoje somos só nós...”

“Você está certo... que horas é a sua entrevista?”

“Depois do almoço, temos bastante tempo... Não sabe como senti falta dos seus braços...”

Eu o levava para a cama e entre os braços dele voltava a dormir, não me importando com o tempo lá fora ou o que o relógio dizia, pois tudo o que queria estava ali.

[...]

Eduardo não apareceu. Na verdade ele nem se importou em ligar ou qualquer coisa, simplesmente seguiu a vida dele. E eu as portas do portão 64 ia seguir a minha.

Eu tinha duas teorias sobre a sua não ida. Ou ele era incrivelmente sádico e quis me torturar por ter terminado com ele a primeira vez ou ele era incrivelmente tapado e não entendia o que estava fazendo comigo. Em ambos os casos, ele não era o tipo de cara que ia querer ao meu lado. E acho que significava que ele também não me queria.

Mesmo com a cena do que eu gostaria que tivesse acontecido rodando na minha mente, eu não me arrependi de nada. Em um mundo ideal o que desejamos acontece exatamente quando queremos e exatamente do jeito que imaginamos. Mas na vida real alguns desejos podem ate se realizar, mas eles nem sempre são do jeito que imaginamos. Eduardo não tinha nada em comum comigo e nos demos muito bem, melhor do que já estive com qualquer um. Mas hoje não mais. Acho que a moral desta historia é que é melhor amar e perder do que nunca ter amado ou qualquer outra merda do gênero.

Claro que dói. Mas ninguém precisa saber disso além de mim.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Certezas e Possibilidades




“All this time you was pretending,
So much for my happy ending”
Avril Lavigne’s Happy ending


Era apenas uma sala de espera. A contagem do relógio era acompanhada na televisão junto com a lista de embarques e desembarques. Com as passagens em uma mão e a mala fechada na outra, a minha atenção se dividia entre olhar o numero do meu vôo subir na lista e a ansiedade de que a qualquer momento alguém fosse entrar. Que ele fosse entrar. E enquanto a minha ansiedade com relação a tudo aumentava, só conseguia pensar que este era um daqueles momentos em que tudo podia acontecer, mas em geral nada acontecia.

Minha viagem era a trabalho. Tudo começou com um e-mail. Alguém viu uma foto que havia tirado em um evento e me chamava para cobrir outros em São Paulo. Hotel, transporte e alimentação alem do salário. Sou fotografo freelance, o que significa que entre um trabalho e outro é ou um marasmo ou correria para o próximo. Tinha um pouco de receio de São Paulo, a cidade que tudo acontece, mais pela certeza de que este trabalho podia se tornar um fixo e eu me mudar. No Rio tenho a faculdade, a família e os amigos. Lá teria de recomeçar tudo, não tem como não ter medo. O prazo para confirmar era ate segunda e estava na sexta.

O telefone toca e eu não acredito em quem é.

“Thi? É o Edu. Estou na faculdade e queria te ver. Você pode vir? To aqui em baixo já.”

“Eu ainda to em casa. Vou demorar um pouco, você me espera?”

“Claro”

Esperou 40 minutos. Ele não perguntou quanto ia demorar, apenas esperou. E esperou sorrindo. Sentamos no bar perto e conversamos sobre vida e projetos e contei para ele da viagem. Não sei definir a opinião dele quando perguntei o que achava, apenas achei ótimo estar ali de novo com ele fazendo planos. Ele pareceu bem curioso sobre como eu ia, os preços e tudo mais. Ficamos algumas horas conversando ate ele se despedir de mim para ir ao banco com um beijo. Na bochecha. Assim que ele subiu no ônibus, recebo uma mensagem dele dizendo que “queria ter ficado mais e ainda mexia com ele”. Nem consegui ir a aula.

Foram quatro meses juntos, dois separados trocando mensagens e a pouco mais de um mês ele estava com esse garoto novo. Não sei o que me levou a terminar e querer de volta. A única certeza que tinha era que com ele eu poderia construir uma vida. Costumávamos fazer exatamente o que fizemos naquela tarde, sentar e pensar no que faríamos e como faríamos. Agora pensando acho que é isso que sinto falta, o Edu companheiro.

A noite tinha uma festa de despedida de um amigo que ia fazer intercambio. Ele separou a casa e encheu a piscina de gelo e cerveja. Lá pelas tantas da madrugada, já devidamente alcoolizado resolvo brincar com o perigo. Sim, o famoso drink and dial. Liguei para o Edu, que estava em uma outra festa não muito longe dali. Rimos bêbados e provocamos um ao outro e ele terminou dizendo que iria fazer de tudo para ir para São Paulo comigo. Minha cabeça girou nessa hora e tudo que podia falar era que queria vê-lo no dia seguinte para combinarmos melhor. Fui dormir embriagado por uma vodka russa e pela possibilidade de terminar tudo bem. Com o cara e o emprego o que mais eu poderia querer?

No dia seguinte, ele sumiu. Não ligou nem atendeu o telefone. Tinha minha ressaca para curar e ele provavelmente a dele, mas nada era pior do que a impressão de que tudo aquilo ontem – a conversa na faculdade, o telefonema e a promessa – não significasse para ele metade do que significou pra mim. E na minha cabeça passou de tudo. Talvez poderia ter acontecido algo com ele que o impediu, talvez ele quisesse me torturar. Só sei que aquele dia passou da esperança a raiva em longas horas. Apenas no domingo consegui contato com ele, por MSN [que não uso mais, alias] e pude perguntar o que tinha acontecido. Nada, ele disse. E a sexta de madrugada também fora nada?

“Foi o álcool, ne.”

...

Já se sentiu estúpido, como se sua inteligência tivesse te pregado uma peça e em alguns segundos revisitasse as ultimas horas, dias e meses a procura do instante em que pressupôs o que te levou praquela armadilha? Foi o álcool que disse que me amava e que ia viajar comigo. E o pior é que o jogo todo estava virado para ele. Edu tinha namorado e um bom emprego e tudo o que eu tinha eram possibilidades e projeções. Nenhum fato nos unia e lentamente senti algo se quebrando. Era a projeção de nós dois, era o sentimento de nostalgia distorcida, era a confiança mutua, que seja. Apenas não queria estar mais ali. Finalmente fiz o que devia ter feito a muito tempo: me desliguei. Ao mesmo tempo que apagava suas fotos, perfis e contatos, confirmava que ia aceitar o trabalho em São Paulo e comprava as passagens. Fora com o velho e abria as novas possibilidades. Foi aí que entendi que o quanto o ato de escolher nos faz adulto. Temos a certeza que crescemos quando não deixamos outros escolherem por nós e principalmente por aceitar as conseqüências do que escolhemos. Talvez São Paulo não dê certo ou dê e eu nunca mais volte. Talvez Eduardo não estivesse feliz com o namorado e o emprego e quisesse voltar ou talvez isso nunca passou pela cabeça dele. Acho que simplesmente eu nunca fui o tipo de cara que espera por alguém ou que gosta de ficar em segundo lugar. Deveria tentar lutar por ele? Talvez, mas estava cansado demais para isso. Certeza mesmo era que o segundo sinal para o meu embarque me chama e agora não tem volta.


[continua]

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Onde liga?



“I just want to be young and silly”
Georgia "George" Lass, Dead like me.




Tudo começa em uma sexta-feira.
Não somos Katy Beth Terry, mas eu, Luis e Marc temos nosso próprio ritual de procurar um bar para desabafar, conversar ou simplesmente falar besteira. O bar que temos ido muito é o Sociedade Secreta na Rua Voluntários da Pátria, uma rua em Botafogo cheia de bares que enchem graças os clubes e a parte cultural que tem em volta.

Um bom happy hour sempre começa com uma polemica a ser discutida. Nem tão polemica, mas Luis contou que tinha terminado com um cineasta que vinha saído a dois meses. Alias, foi através dele que nos conhecemos. Eu trabalho com fotografia, Luis com design e Marc com jornalismo. Juntos alem da dominação global, planejamos editorias, zines, clipes, mas nada que saia muito do terceiro copo e quando eles me chamaram para escrever aqui, o “guilty pleasure” deles era mais para acabar com a discussão entre os dois. Marc chama o garçom pedindo mais uma cerveja para apaziguar os animos.

“A nossa sorte é que não engravidamos, porque o que escolhemos de homem ruim...

“Nós? Ta nos incluindo nisso, é?”, disse Luis enquanto servia.

“Ué, ate onde eu vi algum de nós não está solteiro? E eu pelo menos tenho o Andrezinho, e as senhoras que estão encalhadas?”

“Nem vem com essa, Marc. Sexo casual com um garotinho de 18 anos não é um relacionamento minimamente saudável.”

“Ainda bem, porque estes são os piores que existem.”

“Olha, não sou a favor do cafajestismo dele, mas tenho de concordar com o Marc. A safra de homens bons está ruim, meus caros. Ou saímos com os sapos ou ficamos a imaginar o príncipe sozinho em casa”, repliquei.

“Pois eu ainda acredito no amor, em encontrar alguém e ser feliz.”

“Porque terminou com o cineasta, então?”

A conversa continuou, mas a imagem dos dois opostos na mesa de bar e na vida amorosa ficou na minha cabeça.
Quanta gente interessante e solteira não está aí fora, a procura mesmo depois de decepção depois de decepção? Ao mesmo tempo quanta gente não está criando e destruindo expectativas próprias e dos outros em um eterno jogo de quebrar corações?
Afinal temos de admitir também que a flexibilidade de se ficar com alguém do mesmo sexo permite permutações que mais atrapalham do que ajudam, neste caso. O cineasta foi meu ex e eu já havia ficado com o Luis. Se fossemos heteros, esse tipo de situação nunca aconteceria porque no meio disso tudo ia ter de ter uma mulher no mínimo. Esse tipo de idéia me levou a minha teoria de que nós, gays, ficamos com o pior dos dois arquétipos sociais, pois ao mesmo tempo em que alguns ligam seu coração ao sonho de terem um relacionamento com o cara lindo e rico te levando pra Narnia e te fazendo feliz para sempre, como manda toda boa comédia romântica temos também aqueles que o coração é ligado diretamente ao pênis e que a performance sexual se torna vital, mesmo que ele não tenha vários parceiros. De qualquer forma, nem o que acredita em conto de fada, nem o que acredita na vida como um filme pornô é feliz. E todos contribuem para a roda de frustração e fantasia que terminam em mesas de bar.

“Ah é? Se eu sou o machismo pornográfico e o Lu é o romantismo feminino, você é o que, Thi?”, diz Marc em um meio tom de escárnio.

“Não é obvio? Ele é o que gosta de sofrer... Tem o coração ligado ao cérebro, um curto circuito ambulante. Já passou o que? Um ano, dois e você ainda está nessa do Eduardo?”

“Pois é, eu parei pra pensar nisso esses dias. Às vezes acho que não sinto nada. Às vezes dói um pouco, sabe. Não quero vê-lo, mas sinto sua falta. Talvez apenas tenha de reaprender a viver sem ele...”

“Assim como ele o está fazendo sem você”, disse Luis colocando a mão no meu ombro e levantando seu copo. “Para todos aqueles com coração partido, um brinde. A noite pertence a nós.”



E você? Aonde seu coração está ligado?

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Você ainda pensa em mim?






Peguei o telefone e disquei o numero dele. Ele não reconheceu minha voz. Faz mais de um ano que não nos falamos. Precisava te ver. Naquele bar perto da sua casa, que tal? Que horas? Claro.

Neste momento começa a chover. Mesmo assim, com o meu guarda-chuva saio na esperança de conseguir falar o que sentia para ele. Três palavras e um milhão de problemas.

Acho engraçado como uma idéia de final feliz consegue mudar tanto. Um dia cheguei a acreditar que isto era algo mágico que poucos achavam e que se devia procurar incessantemente, ate encontrar. Depois, achei que tinha a ver com a pessoa certa no momento certo e tudo estaria perfeito. Mas depois de quatro anos e quatro temporadas achando, perdendo, vendo ir e vir; começo a achar que Amor é a mais dispensável de todas as prioridades da vida. Não por ser ruim, mas porque ele nunca vem sozinho.

“Eu o adoro, sempre saímos e fazemos tudo juntos” — Marcos 25 anos, casado a 2 — “Mas ele tem uma mania de não ligar depois do trabalho... ele sabe que só consigo dormir com ele me ligando a noite!”

“Matheus tinha ciúme dos meus amigos. Das minhas amigas também. Alias, acho que uma vez ele brigou comigo porque eu estava brincando com um cachorro. Não sei, só sei que tinha de esconder o celular, colocar ele em destaque como meu ‘marido’ em todas as redes sociais e sempre sorrir quando a mãe dele fazia uma piada...” — João Carlos, recém separado de um namoro de quatro semanas, “odiava a mãe dele, acho que só agüentei esse tempo todo por causa do sexo.”

“Você acredita que no dia seguinte que saiu comigo, ele não só não me ligou como foi para uma festa? Ta tudo no twitter dele, aquele safado fdp” — André, sobre o cara da noite anterior que ele não lembrava o nome completo, mas tinha todos os contatos dele.

Devemos ser a geração mais burra que existe por complicar algo bem simples. Antigamente namoro era namoro, se acabasse acabou, se ficasse serio casava. Hoje se fica é para experimentar sem compromisso, se namora para tê-los e o casamento? É apenas para destruir um ao outro. Não se pode simplesmente viver com alguém - homem, mulher, cachorro, o que seja - sem exigir que lembre, que ouça, que fale, que não fale, que ligue, que esteja lá...? O que aconteceu com viver um dia de cada vez com quem se ama? Afinal, quem inventou estas regras para o amor?

Tenho 23 anos e estou solteiro. Já tive maridos, namorados e ficantes suficientes para estar vacinado contra todos eles e ainda assim não consegui o final feliz que todo mundo vende. O problema disso é a falta de paciências para aqueles rituais batidos de acasalamento que os gays se submetem: o encontro de boate, o papo na internet, o amigo de um amigo, o primo, o colega de trabalho, entre tantas outras historias que querem ser únicas mas começam do mesmo jeito, seguindo as mesmas regras.

Entretanto, naquele dia chuvoso, quando vi Eduardo na esquina me esperando com seus óculos molhados e chinelos do jeito que ele ficava em casa eu tive a certeza: se o amor existe, era ele. Como jogar fora o livro de regras quando se ainda quer jogar?

Sou Thiago, a terceira geração do Crônicas.
Posso estar certo ou errado, apenas acredito naquilo que vivi.