domingo, 28 de dezembro de 2008

Dança das cadeiras

[ Continuação de Teorias ... ]

Com o natal chegando perto, a carga horária no trabalho aumentou. Logo, livros e livros tornaram a fazer parte da minha vida. Inclusive estava pensando em escrever um. Provavelmente ia parar na sessão infanto-juvenil gay, um fracasso de vendas. E enquanto imaginava a trama, e da minha vida posso tirar varias, senti um toque no meu ombro.

‘ Oi, você trabalha aqui? Pode me ajudar a procurar um titulo? ’, disse o moreno de terno com um sorriso educado e barba por fazer.

‘ Awn...Claro vamos em um terminal... ’, respondi sem graça saindo dos devaneios literários.

Ele estava procurando um livro sobre a psicogênese da língua escrita e começou a contar como ela levou a teorias construtivistas. Não prestei atenção em uma palavra, só nos olhos deles que não saiam de mim. Ele me pergunta minha opinião sobre o assunto.

‘ Desculpa, não posso ajudar. Só leio livros de arte e romances franceses. ’, cortei antes que ele continuasse sua aula em plena loja.

‘ Romances são fantasias. Existem problemas reais mais interessantes e instigantes para se ler... ’, disse com o desdém de como se fosse achar um exemplar de ‘Sabrina’ nas minhas coisas.

‘ Eu gosto de fantasias. Dão a falsa impressão de que um dia podem acontecer comigo. ’, rebati seco, porem sincero.

Ele abaixa a cabeça e vira ate ficar perto do meu ouvido: ‘Você não acredita que romances podem acontecer?’

Visivelmente sem graça, respondi que não como quem diz sim. Ainda bem perto de mim ele pergunta que horas que saio do serviço.

‘ Desculpa, mas não dou essa informação a estranhos. Especialmente os que não levam livros. ’

‘ Não seja por isso. ’, puxa um livro qualquer da estante, ‘ Embrulhe este pra presente. ’
Quando pego o livro ele me puxa meu braço para centímetros do seu rosto.
‘ Meu nome é Jonas, mas pode me chamar de Jô... Muito prazer. ’

O momento que mais me atrai é sempre o flerte. Há algo na leve dança de olhares que dizem o que as palavras não querem dizer e nas palavras que saem sempre denunciando segundas e quartas intenções que me deixa louco. Ele paga o livro e se vai. Faltava uma hora e meia para que eu saísse.

Não foi surpresa quando sai deparar com ele em um café logo em frente ao lugar lendo o livro que havia comprado. E embora possa soar romântico agora, o que passou na minha mente era que o galante rapaz podia ser na verdade um psicopata maníaco hater de filme americano. Prevenir é melhor que levar coió.

‘ Se incomoda se caminhar com você? ’

‘ Pode, é um país livre. [...] Por acaso você ficou me esperando sair? ’

‘ Não, foi mera coincidência... Eu estava lendo o livro que comprei... ’

‘ ahãm, sei... Assim como é coincidência o caminho da sua casa ser o mesmo que o que eu vou fazer... O que você quer? ’

‘ O que eu quero? Nada, é apenas uma noite agradável e eu estou caminhando nesta direção também. Alias, você não está indo pra casa agora? ’

‘ É, estou... O meu dia foi cansativo e... Hey, você não é nenhum maluco psicótico, né? Porque aviso logo que tenho 8 kilos de livros nessa bolsa e não tenho medo de usá-la!’, “Cem Anos de solidão” e “Dom Quixote” podem ser usados como arma branca.

‘ Uau, me ameaçando... mas foi você que puxou papo na loja. O que VOCÊ quer comigo? ‘, disse, num tom malicioso querendo uma resposta ― que eu não ia dar.

‘ Eu estava apenas fazendo meu trabalho. Reclamação direcione a gerencia. ’

‘ Eu tenho uma reclamação a fazer! Porque você não consegue olhar nos meus olhos enquanto diz isso?!? ’

Pouco a frente de onde estamos meu ônibus chega. Eu queria continuar para ver onde essa conversa ia chegar, mas ele viu nisso uma deixa.

‘ Este ônibus serve pra você, não serve? Porque você não entrou nele? A conversa está interessante assim? Admite o que você quer comigo, vai... ’

‘ Não seja por isso...! ’, disse transtornado subindo no ônibus segundos antes dele partir e ver que ele fazia sinais para o ônibus parar.




E enquanto sentava e imaginava uma rocambolesca cena em que ele entrava em um taxi e dizia ‘siga aquele ônibus’ [o que não aconteceu ], eu recebi uma mensagem de Andre.


Ele sendo simpático e eu dando corda pra outro. Não era uma coisa justa, mas quem disse que a vida é?
Sabia que ainda ia ver Jonas. Mesmo assim, não me animei com ele, assim como não havia me animado com André.

É uma dança das cadeiras injusta, onde duas cadeiras bambas não me fariam sentar tão cedo. Mas a musica continua a seguir.









Para ouvir depois de ler: The Marcels - Blue Moon

4 comentários:

  1. Kra... esses flertes maneiros não acontecem comigo! Muito menos com caras gatos! hehehe
    Sei não.. mas acho que vc ainda ouve falar dele, hein?
    abs

    ResponderExcluir
  2. uau!
    taí uma coisa q não acontece comigo

    ResponderExcluir
  3. Isso foi realmente de cinema!

    Digo, por experiencia propria, q isso pode ser muito interessante se vc deixar rolar. Eles nem sempre sao psicopatas.

    Parece q vc ficou intrigado...

    ResponderExcluir
  4. Psicogênese da língua escrita? Anotei essa cantada.

    Bom ano pra você!

    Enfil

    ResponderExcluir