domingo, 26 de abril de 2009

Fugere urben

"Porque protegê-las,
porque ter saudades,
porque amá-las?"

InuYasha








‘Oi, boa noite.’

‘Boa noite.’

‘Foram vocês que chegaram hoje?’

‘Ah, sim . Vamos passar a semana aqui pelos feriados, sabe.’

‘Que legal... É a primeira vez de vocês aqui em Visconde de Mauá?’

‘Não, não... Na verdade nós já viemos algumas vezes, mas a última vez faz sete anos, então tudo está bem diferente para a nós...’

‘Entendo... Eu e minha família estamos aqui pelo menos três vezes ao ano. Eu adoro a serra e a natureza. E os chalés daqui são ótimos, não?’

‘É, claro... Bem, já que conhece o local, o que poderia indicar para nós?’

‘São só vocês dois?’

‘Oh, não, não. Além de mim e do meu marido tem meus dois filhos, Luis Carlos e Luis Augusto... Depois de certa idade é difícil fazer os filhos ficarem junto com você, mas em viagens sempre fazemos programas juntos.’

‘Eu que sei. Tenho uma filha de 17 que já não viaja mais com a gente. Arranjou um namoradinho e preferiu passar o feriado com ele. Olha, um lugar que acho muito bonito aqui é a Cachoeira da Saudade. É uma propriedade particular logo após do Acantilado que é deslumbrante. Acho que vão gostar. Alias, qual o seu nome?’

‘Ah, desculpe. Nem me apresentei. Meu nome é Claudia.’





Visconde de Mauá era o refugio hippie onde os meus pais faziam planos de morar quando eu e meu irmão saíssemos de casa e estivéssemos por conta própria. Eu estava tendo uma semana ruim ate que a viagem apareceu como uma chance de não ter um ataque de nervos. Eu tinha pressões no trabalho da livraria, problemas de greve de professores na faculdade e a velha falta de dinheiro que batia a minha porta mais uma vez.Precisava sair para colocar a cabeça no lugar.

O carro balançava violentamente por causa do chão de pedras e buracos, mas eu estava em outro lugar com o meu mp3 tocando. A paisagem verde passava com suas vacas e cavalos e brejos e de vez em quando eu parava para tirar uma foto e esticar as pernas. Meus pais haviam pego uma informação com um vizinho do hotel sobre um lugar onde, segundo este, o lugar era ‘uma linda cachoeira com um bar do lado’. Babaca. Mas pelo menos era um programa melhor do que ficar no quarto vendo televisão ou procurando uma lan house em uma cidade do interior.

Chegamos ao tal Acantilado há 6 km do local onde nos hospedávamos e pedimos informações. A Saudade ficava a 8 km da onde estávamos. Mas para mim estava a mais. A saudade estava com Edu. Tentei ligar para ele, mas estava sem serviço. Como ele estaria sozinho no Rio? O que estava fazendo?

‘Luis, vamos.’, grita minha mãe. ‘Você parece distante, o que acontece?’

‘Nada... Acho que ainda não entrei no clima da viagem...’

‘Meu filho, a gente só entra no clima no último dia, quando temos de voltar... Mas tenta aproveitar esses dias de Cinderela que quando voltarmos é de volta a ser abóbora, trabalhando e pagando contas...’
, um solavanco a interrompe. O primeiro de muitos. O chão acidentado era um convite a toda a sorte de problemas no carro.

Depois da primeira porteira da propriedade, meu pai começa a ouvir um barulho estranho no carro e o estaciona em um descampado para ver se tem algum problema.

‘O chão está muito esburacado, deixe o carro aqui e vamos andando. Não deve ser muito longe.’
Trinta minutos depois.

‘Já sei por que chamam esse lugar de Saudade.... Esta joça é tão longe que sentimos saudade de casa, da civilização... Ah, a civilização, o trânsito, o gás carbônico!’ ‘Realmente é impossível ser feliz na natureza.’

Chegamos a segunda porteira. Meu pai e meu irmão já estão cansados e decidem ficar perto do rio enquanto eu e minha mãe seguimos. Foi a melhor coisa que eles poderiam ter feito.

Passamos por casas abandonadas, mais vacas, mais cavalos e mais cachorros e para melhorar ainda estava frio. Eu e minha mãe pouco falávamos. Estávamos mais preocupados em não pisar em merda ou pedras pontiagudas e quando falávamos era para amaldiçoar o maldito que deu a idéia de irmos lá.




Uma hora e vinte e cinco desde que deixamos o carro.

A última porteira. Ao longe uma ponte com a primeira cachoeira apontava. Nossos chinelos já estavam nas mãos. O bar ,que era depois de uma insalubre escadaria, era feito de tocos de madeira no lugar de mesas e cadeiras. Uma decepção só pior do que a atendente muda, que nem era solidária com a nossa dor.Sentamos e pedimos algo para beber. Mas decidimos não pagar 4 reais para ter de subir as cachoeiras.

‘Estou com saudade do Edu. Sei lá, fico pensando no que ele ta fazendo nessa semana e fico distante de tudo.’, desabafei entre um gatorade e uma skol.

‘Luis... Sabe, antes da viagem eu estava falando com o Alex, meu amigo, e ele me contou que estava meio que obrigado a morar com o ex-namorado porque não tinha dinheiro para um lugar só dele. Ele tem 35 anos e tem de se submeter a uma situação incômoda para ficar no Rio ou voltar para casa dos pais no interior... Ele quando ele me disse que se arrependia de ter namorado durante a faculdade de arquitetura e não prestado atenção na profissão, eu lembrei de você. Você é muito inconseqüente com o seu dinheiro e sinceramente acho que você já não ganha mais nada estando naquela livraria. Você trabalha muito, ganha pouco e deixa o seu sonho de designer em segundo plano. Eu raramente te vejo tão empolgado com um projeto ou com algo que te dê dinheiro, só com festas, roupas e namoro. É uma questão de priorizar. Agora, eu sei que você esta sentindo falta do Edu, mas não seria o momento de parar e pensar qual o rumo da sua vida?’




Ela é a rainha de fazer isso. Colocar o dedo na ferida quando menos se espera. Voltamos conversando ainda sobre isso. E mesmo achando que ela faz um pouco de pressão para que eu caminhe eu não posso negar que é sempre para frente que ela me empurra. Mas parando para pensar eu estava confuso e sem prioridades. Trabalho para pagar meu celular, minhas saídas e bebidas e o resto das contas jogo no colo dela. E meu ultimo plano era pensar o que eu tinha de cortar para passar um final de semana em São Paulo com o meu namorado. E embora ainda soe como um plano bom, o presente não é o que eu deveria ter como meta. E daqui a dez anos o que seria? Eu teria de me submeter ao meu namorado/marido para poder fazer o que eu gosto ou quero ou então voltar para a casa da mamãe? Não era este o futuro que eu queria para mim. Embora tivesse saudade e bem querer, para que tudo fosse para frente era necessário que os dois andassem com as próprias pernas. Se o meu futuro é com o Edu é algo questionável, mas que este futuro não deve depender de ninguém isso é um fato.

A noite, já deitado eu recebo uma mensagem dele: ‘Miss u, sweetie. Luvya...’

E com o ponto pulsante da pagina de resposta eu vi que tinha de abrir meu espaço, respirar. As duvidas finalmente saiam de mim, mas pousavam em outro canto. Mas prefiro deixar as duvidas para quando houverem problemas.








Para ouvir depois de ler: Jordin Sparks – One step at a time

4 comentários:

  1. essa frase eh a coisa mais linda:
    "A Saudade ficava a 8 km da onde estávamos. Mas para mim estava a mais. A saudade estava com Edu."

    arrebentou, de verdade

    dez p vc

    e calma, a gte tah novo msm
    as vezes tb penso q perdi minhas prioridades, mas eh mt coisa p administrar

    era d se esperar q falhássemos em algo
    o q nao pode eh deixar a falhase tornar parte d vc

    xx

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  2. Sabe, to na mesma situação q vc, talvez até um pouco mais perdida na area profissional. Melhorei um pouco depois q conversei com meu pai. Como o pequeno diabo falou sao muitas coisas pra administrar, fica dificil saber o q priorizar.

    obs: vc gosta de inuyasha?

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  3. mto importante e bonito o que sua mãe disse e concordo com ela! Você ja vem estando desmotivado ha um tempo, mas te digo com sinceridade que o edu te faz um bem que só quem ta de fora ve! E nesse conforto sincero de agora que voce deveria criar a base para poder se preocupar com outras coisas como a facul etc (ta que aquilo é uma bagunça, mas enfim) e ainda assim ter ele ao seu lado.
    amo vc gatinho!

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  4. Mãe sempre sabe onde cutucar na ferida para nos fazer andar neh!!!
    Bem talvez eu esteja fazendo o caminho inverso, investindo tudo no meu profissional e deixando o pessoal pra depois, mas acho que isso não é legal também. O negócio é encontrar o equilibrio (como se fosse fácil né), mas a busca já nos movimenta e é isso que importa.

    Bjs

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