sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Retrato Falado



"Reality doesn't matter,
What matters is the illusion"
Whatever Happened to Dulce Veiga?
by Caio Fernando Abreu



Rubem era um artista da fome clássico. Daquele que não come pão pra comprar tinta. Seu trabalho era algo perto do medíocre, mas sua paixão era algo para se impressionar. Ele tentou me salvar. Ele viu meu trabalho de pintura numa modesta exibição que montei e ninguém soube da existência. Rubem achou que ali tinha alguma coisa, tinha potencial. Seus sentimentos eram nobres, mas só dei atenção ao que falava por sua bundinha, o que não era muito nobre da minha parte. Mas não passou de olhadas , já que ele era comprometido – o que não anulava sua beleza. Saímos da galeria para um café para conversarmos.

Rubem estava na segunda faculdade, fazia cursos extras através das bolsas que conseguia e a cada novo estudo se apaixonava por algo novo. Já havia tentado tinta óleo, aquarela, marcenaria, litografia, trigonometria, dança contemporânea e mais cinco ou seis coisas que misturavam tudo e não acabam em nada a não ser experimentalismo. Há pouco mais de três anos estava casado com um cara e morando junto com sua mãe, viúva. Ele era a razão de continuar tentando mais do que só pagar as contas do mês. Nessa hora, seus olhos brilhavam babacamente ao falar do marido, o que me deu uma certa inveja. Rubem fez questão de contar que quando o viu pela primeira vez o achou o homem mais lindo que já vira e, ao contrario do senso comum, decidiu que ele precisava saber disso. A teoria de Rubem era de que se xingamos um desconhecido na rua a plenos pulmões por pisar no nosso pé, deveríamos também ter coragem de dizer no mesmo tom que achamos bonito um estranho na rua. Algo como um equilíbrio cármico, espalhar o bem ou algo assim. Então ele andou ate a fila do pão, meio tímido, meio canalha, tocou o ombro do rapaz e disse ‘você é lindo’, assim a queima roupa. Um minuto de silêncio constrangedor e o cara achou que ele era maluco. Pagou sua conta, sorriu amarelo e saiu andando. Meses depois se esbarraram em uma festa de um conhecido em comum e riram sobre o episodio. A festa durou 6 horas, mas a conversa deles durou por três anos, disse fechando com mais um dos sorrisos babaco-apaixonados. A moral da história é que amor podia estar em qualquer lugar, até na fila de pão. Que seja, pensei. Pagamos a conta e trocamos contato para montar uma exposição conjunta.

Cinco meses depois Rubem e o rapaz se separaram. ‘Tinhamos interesses diferentes’, ele disse. Eu também não voltei a pintar.

2 comentários:

  1. uau!
    q texto foda!
    mas foda mesmo!
    uau!

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  2. Magnífico.

    Tem coisas na vida que são assim, vem e vão embora.
    Faz parte do ciclo.
    O que não pode ir embora com os ciclos são os nossos sonhos, nossa alegria e nossa alegria de viver.

    Abração!

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