terça-feira, 24 de março de 2009

A chave do armário – Parte II: portas quebradas

“My name is Harvey Milk
and I'm here to recruit you.”
Harvey Milk







Armário é um espaço onde o que é nosso fica guardado. Para algumas coisas temos orgulho de usar e mostrar, mas para outras reservamos o espaço do fundo dele para que fiquem fora da vista de todos. Pensando deste jeito a expressão ‘sair do armário’ se torna algo bem mais universal do que o conceito de simplesmente ‘se assumir gay’. Sai do armário o gordinho que manda o fortão se fuder e diz que é feliz comendo. Sai do armário a moça que fala para os pais que está grávida mas que vai ter o bebê porque ser mãe solteira é o seu sonho. Sai do armário a viúva que nem deixa o corpo do falecido esfriar e apresenta o novo boy para as amigas. “Dá licença que agora é a minha vez de ser feliz.” E no final de tudo, é por isso que quebramos as portas e as janelas da vida, para que apesar do consenso geral de felicidade a gente saia em busca da nossa própria.




Este não é um texto do tipo ‘destruam seus armários’. Porque assim como a verdade liberta ela tem as suas conseqüências e cada caso é um caso. Algumas portas depois de abertas nunca mais se fecham. Outras levam à precipícios. Mas na grande maioria das vezes imaginamos algo muito pior do que realmente tem do lado de fora. E pode ser incrível reação das pessoas a sua volta quando elas conhecem você realmente. Foi o caso da historia que comecei a contar no último post. Tudo me foi contado, e em todo momento a minha vontade era de interferir nela, chegar para a família do meu namorado e gritar que estávamos bem e felizes e que aquelas voltas não iam levá-los a lugar nenhum. O que me segurou foi saber que são nestas voltas que damos em nós mesmos que percebemos a verdade sobre as pessoas.
[...]



Cena 1: O dito pelo não dito

Dona Carminha, minha sogra, entra em casa e se joga cansada no sofá. Liga na Márcia Goldschmidt e deixa que a televisão a veja. Seu rosto está inchado e os olhos vermelhos. Eduardo ao ouvir a porta bater sai do quarto e encontra a mãe olhando para o vazio, sentada no sofá.

“ Tudo bem, mãe? ”, perguntou o filho preocupado.

“ ...tudo, menino, tudo... ”, respondeu a mãe ainda lagrimejando.

“ Não parece que ta tudo bem. Aconteceu algo? ”

“ Não, não tem nada para acontecer... ”, ela limpa a nariz e fecha a cara, ressentida.

“ Pelo amor de Deus, mãe. Aconteceu algo de errado? ” “Não, por quê? Você fez algo de errado para que eu ficasse chateada?”, disse olhando duro para ele. Levantou e saiu antes que o filho pudesse responder.





[...]

“Eu não entendi, meu bem. Ela podia estar chateada com varias coisas... trabalho, dinheiro, sei lá...”, perguntei quando ele me contou.

“Lu, não é assim. Ela ficou a semana toda bronqueando comigo. Agora ela está dando estas indiretas. Acho que alguém contou a ela. Podem ter nos visto sair daqui de casa ou no shopping... não sei... mas acho que ela estava chorando porque falaram algo para ela.”

“Ok. Então porque não conversa com ela abertamente? Coloca as cartas na mesa, ué... Se ela já sabe, é melhor colocar tudo em pratos limpos antes que algum problema aconteça.”

“Não sei... nós nunca tivemos este tipo de conversa, sabe. Não sei como falar da minha intimidade com ela... Eu nunca precisei.”

“Então a idéia é deixar as coisas como estão ate que alguma merda aconteça e vocês joguem a verdade na cara um do outro?!?”

“Basicamente, é isso...”


Cena 2: Ligando os pontos

Na frente de um computador, Camila entra no perfil do orkut do seu irmão, Eduardo. A mudança de status de solteiro para namorando veio junto de uma foto tirada em um shopping com ele e um menino sorrindo com a inscrição: ‘a vida é cheia de surpresas’. O que chamou a atenção dela para a sua pesquisa virtual foi uma curiosa ligação do seu outro irmão, Antonio, que não estava entendendo as fotos que encontrou no celular do Junior, onde depois da foto do sorriso no shopping, os dois meninos se beijavam. Ela deixa um recado: ‘Tá namorando é?!? Depois quero conhecer!!!Bjs’

[...]
“É um fato, Luiz. Todos na família já sabem.”



Cena 3: Filmes, pizzas e verdades

Dois dias depois do recado, Camila foi levar seus filhos para visitar a avó. Os meninos entraram pulando e brincando na casa e Dona Carminha chamou-os para ajuda-la fazer um bolo. Sozinhos na sala Camila e Edu tentam finalmente conversar sobre o assunto. Cochichos daqui e dali e a mãe sai para ver o que estão falando e fecha a cara novamente. “Mãe, a gente vai dar uma volta para alugar um filme para os meninos, ok?” Saíram com aquela desculpa para poderem conversar. E tudo ficou bem. Camila contou da ligação do irmão e que já desconfiava. Edu disse que estava feliz e que era bom ver que os irmãos respeitavam isso. Mais tarde Camila tentou conversar com a mãe sobre, mas ela não quis comentar o assunto. Ela estava em negação.



Cena 4: it’s Friday, i’m in love.

Saindo do estágio na sexta, Eduardo vê 13 ligações não atendidas em seu celular, todas de casa. Imagina o pior, um acidente ou algo assim e liga para lá imediatamente. Sua mãe atende aos prantos e respira aliviada ao ouvir a voz do filho. Alguém ligara para a casa dizendo que o havia seqüestrado e que queriam um resgate, quando na verdade o celular dele não tinha sinal dentro do laboratório. Ele disse que estava saindo da faculdade e estaria em casa daqui a pouco.
Ao chegar em casa, a mãe o abraçou mas a recíproca não foi verdadeira. Ele estava frio com ela.
“Viu, não tem do que se preocupar. Eu estou bem.”, disse secamente. Se direcionou ao quarto para guardar suas coisas.

Sua mãe parou na porta, ainda abalada com o trote pela possibilidade de ter perdido seu filhinho caçula.

“Você esta chateado comigo?”

“Não, mãe. Estou apenas sendo um espelho de como sou tratado aqui.”

Ela segurou o choro e foi para o seu quarto, onde desabou. Foi muito para Edu. Ele sabia que ela estava abalada ainda e não era legal a sua atitude. Foi no quarto dela e eles se abraçaram. Não foi necessário que falassem mais nada. Apenas aquela ação disse tudo o que precisavam. E as coisas voltaram a ficar bem na casa dele.



Enquanto lutamos por respeito e direitos na sociedade, nos esquecemos de que a nossa volta existem pessoas que queremos muito bem, mas que podem sentir o mesmo por não conhecer você realmente. E enquanto a mentira for contada, seja para auto preservação, seja para que se evitem dores, você nunca poderá dizer que foi realmente amado. Porque aqueles que nos amam querem nos ver felizes, mesmo se aquele não for o seu ideal de felicidade. Para isso portas e janelas são quebradas a todo o momento. Algumas com gritos, com lagrimas, com palavras ferinas. Mas poucas vezes pensamos que elas possam se abrir com um simples ato de bondade. Não é o mais rápido ou o mais eficaz, mas é o mais honesto. Ser verdadeiro com você para ser verdadeiro com o mundo. E quando estiverem prontos para serem felizes, algumas portas simplesmente abrem sozinhas.






“Dá licença que agora é a minha vez de ser feliz.”




Para ouvir depois de ler: Jonas Brothers – Lovebug

5 comentários:

  1. eu tow passando por essa fase agora, de quebrar as portas do armario
    mas confesso q eh dificil

    a gente nem quer pensar mt, pq sim, vai ser uma situação dificil, mas adiar naum vai facilitar qd acontecer

    mesmo q seja daki a um ano, sera difcil
    daki a dez anos, sera dificil

    eh dificil, né?

    eu nem sei como fazer isso
    conversar cm a minha mãe, decepcioná-la

    sei lá
    eu entendo o edu
    xx

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  2. Eu acho muito complicado.
    De verdade.
    Eu acho que meu armário vive encostado.
    Sou independente, moro sozinho, em outra cidade, longe de pai e mãe, mas tenho namorado e meus amigos sabem que sou gay.
    Acho que meus pais tb, mas só vou contar se eles perguntarem, o que acho que não acontecer.
    Então, 'ces la vie.
    Mas fico feliz quando leio coisas como o que aconteceu com seu namorado.

    Claro que te linkei...
    Adorei aqui.
    E adoro amigos de perto (sou de Petrópolis).

    Se quiser, me add no msn:
    leco_faria@hotmail.com

    Abraço

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  3. Odeio celas... cárceres, masmorras, caixas e afins... desta forma não gosto de armários. Armários sé servem para traças e amantes!!! E não somos nada disso, né, Luis?!!?
    Hugzzzzzzz, dude!!

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  4. Não gosto de vir aqui e não achar novidades, hehehe

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  5. Nossa, apesar da estória contada ser algo comum ou corriqueiro.TECLA SAP = já ouvimos muitas histórias a respeito, muita discussão e etc.
    Não há respostas pq a vida não é uma pergunta.
    Adorei como vc contou tudo, qse chorei...
    Parabénsss

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